segunda-feira, dezembro 29, 2003

Ai

Descobri que os chineses utilizam o termo "ai" para simbolizar amor ou afeição. Só me apetece dizer, ai ai isto não é um bom prenúncio!

terça-feira, dezembro 23, 2003

Bom Natal

À preguiçoso e poupado: Que este ano o Pai Natal deixe um Ano Novo Excelente como prenda para todos vocês. :)

sábado, dezembro 20, 2003

...

Não há acidentalmente nada a dizer
... só lamentar um prazer efémero

...

É tudo tão sem nexo e tu não o mereces
É tudo tão pó tão volátil como álcool e tu não o mereces
É tudo tão azul, tão céu só a minha recordação é verde
É tudo tão brilhante, tão sol
Há tanta luz, mesmo durante a noite
E podemos mesmo sentirmo-nos ofuscados
mas tu não me mereces

sexta-feira, dezembro 19, 2003

Estória de um mestre

Por ventura foi nesse espaço de tempo que o mestre se afogueou perante a aldeia recoberta de neve.
Ele dizia que eram flocos de prazer, que toda a gente que se molhava naquela água congelada, se promiscuía, que não se lavava, antes pelo contrário, se conspurcava.
O velho mestre não sabia que se enganava.
Não há prazeres que caiam do céu e toda a aldeia sabia disso.

quinta-feira, dezembro 18, 2003

As tascas

Em honra de quem chegou até nós via "Bebia porque queria afogar as mágoas" voltamos a publicar esta pequena história.

Disseste que acabavas com tudo e que me deixavas. Fui-me embora sem ouvir mais nada, nem mais uma desculpa ou um porquê teu. Tu ainda chamaste por mim com uma voz rouca e infiel, mas eu segui por uma vida nova, nova e sem ti. Havia de ser assim e assim segui decidido. Parei num bar nesse primeiro dia, ali perto de onde me deixaste. Durante uma semana iam-me lá buscar. Eu embriagado com a cabeça contra a mesa, a tentar adormecer um pesadelo que não me deixava acordar.

Como eras a minha vida parecia que eu não tinha outra.

Tanto me chatearam sobre esta minha nova vida, sobre esta vida que eu vivia sem grande vontade, que me transladei para um café bem perto de minha casa. Durante uma segunda semana mais do que inteira, foi o filho do dono que me levava a casa em ombros. Tinha tratado com ele e assim ficou tratado, eu embebedava-me no bar dele e ele levava-me a casa.

Já ninguém me visitava e até parecia que não tinha casa.

Um dia, sem semana marcada nesta nova vida, uma rapariga embriagada como eu, talvez ferida de um amor desfeito como o que eu tinha, adormeceu sobre o meu ombro e por ele escorregou. Segurei-lhe o queixo, gritei-lhe ao ouvido, esbofeteei-lhe a face. Lá abriu um olho e apelidou-me de goelas. Mas nem vale a pena querer saber porquê.

Foi para tratar dela que a vida me manteve sóbrio, ou para morrer.

Metia-a em casa dela, em casa na sala, da sala para o quarto, no quarto para a cama. Pedia-me sempre para a mudar de sítio, para pô-la noutro lugar. Só queria mesmo era mudar. Quando se está mal, tudo está mal, ou mesmo muito fora de sítio.

Não dormia vestida disse-me, de qualquer maneira eu tinha-a despido.

Os dois na cama de edredão azul marinho, eu por baixo dos lençóis vestido e a tilintar de frio, e ela por cima toda nua a gritar que tinha calor. Era uma situação tão rara e tão pouco sexual ou sensual, que adormecer foi a única coisa que me foi possível fazer. Percorremos a noite toda nesse silêncio do sono e na agitação dos sonhos ébrios e toscos.

Há conversas que não se têm nem na mais doida ressaca.

Quando acordou e se olhou toda nua, nem um ai de admiração pronunciou. Ficou quieta a olhar para mim até eu a questionar. Que foi, nunca viste ninguém a ressacar? Perguntou-me porquê que eu não tomava conta dela, dela e da vida dela para aumentar ainda mais o fardo. Respondi-lhe à pressa e sem pensar que já estava cansado de ser largado, que já tinha tido a minha overdose. Riu-se imenso, meteu-me dentro da cama, contra a sua pele toda fria.

Disse claro que te largo também, mas entretanto, porquê que não podemos ir ficando os dois?

Sensação Nitida

"O amor tem muitas sortes.

A sorte deste foi eu não ser o apaixonado, antes o amado. Quando acaba assim de forma abrupta, há sempre alguém que se magoa. Sempre aquele que ama. Para além de ser o que ama tem de ser o que sofre. Para mim foi um alivio.

A vida é mesmo ingrata para quem ama, mas são os que têm as melhores compensações quando são amados. O que até está justo."

in "Nitida", um romance por acabar

Pensamento de um outro dia

Há tantas coisas que desconhecemos. E ainda temos coragem de acreditar no que julgamos conhecer.

quarta-feira, dezembro 17, 2003

O Ciume

O ciúme. O ciúme, diz-se, é uma prova de amor. O ciúme é a experiência da perda. Por isso, diz-se do ciúme que ele é uma prova de amor. Que é um reconhecimento daquilo que possuímos. O reconhecimento da existência de um amor. A prova. É a prova de necessidade de exclusão de qualquer outra identidade numa relação. É a exaltação de uma exclusividade. Por isso, ele é uma experiência de perda. É uma vez mais uma experiência motivada pelo medo. Quantas relações já se afundaram por causa desse medo de perda? Quantas vezes esse sentimento de possessão, de exclusividade, foi tão exarcebadamente fictício que arruinou relações estáveis? Quem é alvo do ciúme, da pessoa enciumada, é alvo da desconfiança. O ciúme, em si, não é corrosivo como um veneno (ou não é ele uma prova de amor?), mas a desconfiança que ele provoca, que ele imiscui na relação é algo verdadeiramente corrosivo. Ou o amor, não é ele também feito de confiança?".

terça-feira, dezembro 16, 2003

...

Como sabes?
Como sabes o saber certo da certeza que não possuo? Como crês sempre a crença certa da certeza do amor ser meu? Como podes com razão poder ter a certeza de me teres sem perder?

...

I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.
W.B.Yates

segunda-feira, dezembro 15, 2003

Ao Porto de ti.13

maio parece querer acabar com a utopia. as palavras comidas no seu da boca, secam. os dentes sibilam uma dor branca, são corrupios de texto debaixo da frincha da porta. não tenho para onde ir. jorram palavras vermelhas na fonte do amanhã a ponto de formarem um rio de borboletas ainda presas no casulo do sentir. trigésimo segundo dia do mês de maio, já partiu o dia que sucede à mesma noite. as palavras fazem cócegas na língua do amor. saiem finalmente as borboletas no oco da boca voando como pétalas arrancadas à flor.

Ao Porto de ti.12

Os barcos atravessam o ponto do horizonte aonde o sol se faz sentinela de um só olho. Faz um frio que corta o teu perfume que flutua ao vento e arranha as braçadeiras lassas do meu coração. Procuro a verdade no tapete de seixos maduros; por baixo, e ainda por cima. Quase mordo o caroço, o ícone da essência. Tens nos teus olhos a luz que a noite roubou e o nevoeiro é um tear onde se tece a pele: o embrulho esfarrapado das veias cansadas. Ainda tenho uma vaga na hospedagem do tempo: para ti, ou qualquer outra coisa sem guarida

Ao Porto de Ti.11

Nas nuvens, no húmido do ar, um sol torrado feito brasão da angústia. Nas nuvens, permanece o grão de gelo da loucura sem a forma disforme do arvoredo. Danço na folia do vento proibido enquanto o mar salva-me outra vez pela manhã. De onda em onda se repete o mandamento. A chuva tilinta nos canos do céu e eu no ralo, no redemoinho que esvai o sonho.

sexta-feira, dezembro 12, 2003

Descobertas

Quando não tenho um papel para apontar uma frase que me surja na cabeça, utilizo o telemóvel para a guardar. Claro que muitas das vezes nunca mais me lembro de as ir ver e vão ficando por ali mesmo por tempos infindos. Desta vez descobri esta: "O mundo é um destino cor de rosa suspenso nas brumas do teu sentir". Isto só pode ter sido escrito numa daquelas noites de desvario que só terminam pela manhã. Argggg!!!

quinta-feira, dezembro 11, 2003

Proximidade

Às vezes queremos encurtar distâncias com as pessoas. Queremos ser próximos. Podemos até querer ser intimos. Chegamos mesmo a manifestar as nossas intenções em palavras. Às vezes, muitas vezes, a outra parte não correponde, e nós sentimos como injutiças as outras pessoas. Sentimos isso muitas vezes, como se fossemos uma parte rejeitada do universo. Quando sentimos esse desejo, esse desejo de estar mais próximo do outro, esquecemos tanta vez que também o outro está longe de nós, que somos ambos distantes e que só o desejo não basta para preencher esse espaço que fica escuro e enevoado de permeio. O nosso desejo não deve destruir o espaço e roubar a distância de um segundo ao outro. Querer ser próximo de alguém, desejar alguém, é esse romance de nos irmos aproximando. Esse pode ser um sentido para a vida. Obrigado pela lição.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

Desapareceu

Ok, pode não ser tão famoso como um cão desaparecido um dia na Lapa mas é-nos muito mais querido. Desapareceu na zona de Cristo Rei, perto da Avenida Marechal Gomes da Costa, Porto. Pesa 65 kgs de ternura apesar do aspecto imponente de um Mastim Napolitano. Quem o achar que não fique todo babado de o ter. A recompensa é a melhor de sempre, o nosso eterno agradecimento. Dá-se pelo nome de Enzo, mas podem trata-lo por Enzini ou qualquer outra coisa afectuosa. Desde já agradecidos.



terça-feira, dezembro 09, 2003

A escrita

No blog Os Espelhos Velados, um dos meus homónimos que leio com a mesma frequência em que há posts ;), pergunta-se sobre a existência da escrita: "onde estamos quando não escrevemos?". Eu por mim estou a divertir-me, desenganem-se quem julga pelos textos que escrevo que a vida é só um estado de sofrimento, a escrita sim. A escrita é um grito da alma, um bater do coração que se quer fazer ouvir. "Escrever é não querer morrer"*.

*Não sei de quem é esta frase mas subscrevo.

Google Search

Há muito que não verificava de onde porvinham os que até aqui chegam, desta vez um visitante chegou por "simpatias afastar amantes". Com tantos textos de amantes afastados, só podem vir enganados.

A Razão do Poeta

à C.
Às vezes, estamos tão próximos que tento silenciar o troar do meu coração para que tu não o ouças. A minha mão estende-se sobre a tua, mas só na riqueza da minha imaginação. Um lago instala-se por detrás dos olhos e só uma força qualquer, uma força que não domino, o impede de galgar as pálpebras e correr no leito de pele da minha face. Por vezes, quando permites que me demore um segundo mais no teu olhar, quando fico sem perceber se é a minha alma que sai pelos meu olhos, ou se é o teu olhar silencioso que empareda a acção, a música continua continua como num filme intimista e de reflexão. Um teledisco patético do meu sentir. Tantas vezes faço filmes onde tudo se mexe, onde tudo se transforma, onde as tuas palavras vem de encontro às minhas, se colam nas minhas como num abraço; onde os desejos se unificam e a música soe num unissono que só termina nas nossas bocas. Nessas vezes, poeta, nessas vezes em que o filme não se desenrola a compasso com o desejo, penso na tua razão, é mesmo uma dor que desatina.

Embuste

Muito se fala da antipatia dos Espanhóis para com os Portugueses. Este fim de semana confirmámos em absoluto que este embuste só pode vir dos velhos do Restelo que ainda pululam por cá. Com simpatia e profissionalismo fomos atendidos por todo o lado. A civilidade é um sinal de progresso, sem dúvida.

sexta-feira, dezembro 05, 2003

Trocadilhos

Ontem, em conversa com uma rapariga que acabara de conhecer a determinada altura ela pergunta-me se me pode fazer uma pergunta indiscreta, eu respondo-lhe que sim, que pode, que na realidade até gosto que me ponham entre a espada e a parede. Ao que ela me contesta com um "relativamente a quê?". Eu só me perguntei: será que ela lê blogs?!

Odisseia: a um ou outro amor não consagrado

I
à saida do cais, procurando a bolina, o barco partiu sem saber que partia nem ele queria acredita-lo; amor acabado amor começado. no outono do seu coração começava uma nova étapa, neste novo inverno - que era essa a estação - dava-se o início da tempestade, um novo amor a acreditar. vieram ventos suaves, apenas o pricípio, só mais tarde em alto mar, o buliço. e no seu coração zumbia ainda a malícia, ainda se lhe recordava na boca da memória a boca amada hexagonalmente beijada; nessa altura de nevoeiros quando as paixões se sobrepunham como duas imagens transparentes, o leme do seu coração desgovernava-se e parecia voar como as aves planando ao sabor do vento das paixões. não tinha medo, estava distraído nessa sua ignorância que era só sua, pois era ele o seu próprio ventre. a preocupação estava arredia e até parecia brilhar um grande raio de sol que funcionava como um farol evitando-lhe o tremendo embate nas costas duras da desilusão. era um grande mar, um mar grande de paixões e muita água ainda não descoberta

II
o tempo traz sempre erros. e este tempo foi como todos os outro tempos, não um pequeno tempo apenas um grande temporal. na sua ignorância, no seu desprendimento, não soube ler os mapas, traçar rotas seguras. era um mau marinheiro para um mar tão traiçoeiro. e assim, na sua ingenuidade de infante, julgou possível a conquista do primeiro estreito, julgou possível passar de permeio entre as margens da sedução e da conquista. e ao tentar aportar, foi embater na margem pontiaguda da sedução e não foi possível evitar o rasgão do casco. a água começou a entrar e por pouco o navio não se afundou. foi preciso sangue frio, trabalho árduo, temperança, paciência e esperança mas isso foi fatal, nunca mais ele se podia afastar dessa costa espinhosa e imprevisível da sedução e só de longe podia espreitar a outra margem

III
Mas como herói destemido fingiu não ouvir as vozes amigas dos golfinhos que o feriam na sua linguagem e cantavam-lhe cantigas de amores impossíveis. ele passava por cima desses avisos como um gigante por cima das formigas e continuava a amar o seu amor, tratava dele como um louco germina a semente da loucura

IV
um dia, um belo dia de inverno, fez-se tanta luz dentro de si que olhou para o sol e sentiu-o todo dentro dos seus olhos. essa sensação de envolvimento deu-lhe coragem, o seu coração encheu-se tanto de paixão que a própria palavra da paixão lhe saiu da boca e da sua boca direitinha aos ouvidos da sereia que ele amava. ela corou até ficar um botão de rosa para acabar a mergulhar no mar onde sempre se protegia. quando olhou para a superfície do mar e o viu a borbulhar sentiu-se triste e sentiu-se alegre, no mesmo tom em que ela se sentia alegre e se sentia triste. ela demorou muito tempo a vir à superfície, tanto tempo ela demorou que o mar que ele olhava lhe passou para os olhos até eles se transformarem em aquários

V
quando ela voltou à superfície, passava o tempo a brincar com as outras sereias, nadava velozmente fazendo coreografias risonhas com os seus lábios risonhos. ele postrava-se no mastro o tempo todo, tomara o lugar de vigia agora que o seu barco estava ancorado, abraçado na margem da sedução; imóvel e perene, ele, no lugar de vigia, divertia-se longamente com o seu olhar apaixonado rindo-se das coreografias traquinas das ninfas até que começou a reparar que de tempos em tempos imprevistos quando ela se encontrava lá longe, quando ela o julgava distraído, os seus olhos fitavam-no como que observando-o. ele cada vez mais fingia estar distraído e lentamente, como quem tem medo, ela foi-se aproximando. aproximando-se dele e do amor que ela desconfiava

VI
tantas luas ele viu no seu mastro de vigia, tantos dias se deitaram sobre a noite sem ela lhe dar um sinal que fosse que o tédio e a tristeza nostálgica dos dias nublados capturaram-lhe o semblante cinzento. ele desceu ao convés do seu navio e tentou manobra-lo mas ele não se moveu. ele não se moveu porque continuava agarrado às margens pontiagudas da sedução. ele sentiu-se condenado, sentiu-se condenado a viver ali, naquele local, continuamente a olhar de longe a margem da conquista mas, sentindo-se outra vez herói destemido, deitou-se ao mar e com braçadas de luz tentou escapar daquele estreito de amor que cada vez parecia mais triste e feio. os seus amigos golfinhos que eram cor-de-rosa como uma bela boca de dentes brancos, cantavam-lhe canções de encorajamento. as canções faziam-no sorrir e cada vez sentia-se mais forte e sentiu-se afastar daquele estreito de amor que se tornara triste

VII
passara a noite iluminando o seu caminho com braçadas de luz. já ele tinha percorrido mais de metade do caminho. nessa noite, ela disse às suas companheiras que ele lhe era indiferente. parecia estar tudo bem no estreito do amor mas como amor é magia e não há magia sem amor encontraram-se sem saber como em mar-alto. fazia a lua no céu um sorriso brilhante como luar e naquele cinzento que era o mar nocturno havia brilhos de prata que mais não eram que bocadinhos da ternura que existia nos olhares tanto de um como de outro. havia um bem-estar inefável que sobrevoava todo o estreito. os golfinhos e as sereias fitavam-nos, uns desconfiados outros contentes. estavam todos aturdidos naquela ilusão

VIII
sem saber como, sem ter feito esforço algum, o esforço que ele fizera em braçadas de luz parecia não ter tido qualquer efeito e ele encontrava-se de novo no navio, de novo ancorado junto à margem da sedução. e no seu mastro de vigia, ele passava o tempo a recordar, uma só noite na ilha da conquista

IX
ela continuava temerosamente junto às suas companheiras mas novamente, de tempos em tempos imprevistos, ela nadava no seu jeito ondulante de sereia como uma elegante serpente. aproximava-se do navio e lançava-lhe um sorriso. era assim que ela evitava que naquele estreito de amor, as núvens cinzentas e espessas da tristeza fizessem ali a sua paragem. no fim daquele sorriso, mais depressa do que viera partia no seu ondular tímido. ele habituara-se àquela vida de cárcere e não mais se entristeceu

X
as imagens que ele tinha dela eram constantemente recicladas, cada vez mais bela ela lhe parecia, as palavras dela tinham um som especial e tudo nela ele amava. foi quando ele lhe deu um presente, um presente de amor, palavras... palavras desse amor

XI
a essas palavras nunca conheceu bem a sua reacção por muito que lhe perguntasse. ela mergulhava no mar onde se protegia e a água da superfície voltava a borbulhar. ele nunca esperou nada dessas palavras que lhe deu e foi esse mesmo nada que dela recebeu. até que lhe começou a dar ciúme, atitudes mesquinhas, atitudes contraditórias, palavras confusas e sempre muito medo no seu silêncio. o mar azul onde se protegia escureceu e uma força giratória circundava-ª. A princípio era invisível mas ela não pode evitar que ele visse o remoinho. que se construira ao seu redor

XII
aquele remoinho tornara o mar agitado. já não era seguro aquele navio ancorado na sedução e mais uma vez ele lançou-se ao mar. só um marinheiro louco se lança num mar que parece querer engolir tudo à sua volta. insanamente ele foi apanhado naquel vórtice, a sua cabeça embateu milhares de vezes em rochas, ou em animais grotescos. e de tantas vezes embater, desfaleceu. quando recuperou os sentidos, pela manhã, tinha o sorriso congelado e lágrimas petrificadas no rosto. julgou-se morto pois sentia-se muito bem, sem peso, sem matéria mas à medida que ia acordando, e revisitando todos os pequenos episódios que ele viu durante o remoinho, julgou-se mesmo morto. mas afinal estava vivo, vivo como morto. primeiro limpou o sorriso, era o sorriso que tinha ficado que ele tinha aprendido naqueles momentos em que mais uma vez este com ela na ilha da conquista. depois, a lágrima, que era apenas um símbolo da traição. traição sem haver traído; era apenas o símbolo da amargura. era vermelha como o sangue jorrado num apunhalamento

XIII
quando ele começou a caminhar, a margem da sedução estava desfeita. tinha crateras enormes cobertas até cima de um líquido negro oleoso, cheia de bichos assustadores. a ilha da conquista era apenas um montículo onde duas pessoas mal se podiam equilibrar. e a toda a volta, só mar. só um mar alaranjado com grandes manchas vermelhas. e por todo ele, borbulhas donde saia um vapor muito quente. aquilo fervia e parecia querer possuir tudo à sua volta. havia uma pequena ilha entre a margem da sedução - quase desfeita, entre a ilha da conquista - quase inexistente. nesta ilha inominável morava a sereia amada

XIV
como no amor há magia e magia há só com amor. mais uma vez eles se encontraram talvez em sonho ou uma reminiscência desse estreito de amor que existiu. mas como era difícil o equilíbrio naquele pequeno montículo e como ele parecia uma terra de pântano, todo o monte foi engolido pelo mar laranja e vermelho. esse mar que queria engolir tudo, esse mar que muitos só lhe dão um nome, e um só nome se lhe pode dar, desilusão...

terça-feira, dezembro 02, 2003

Ao Porto de ti.07

fui passear pela tarde. apeteceu-me. vi flores bonitas mas não as peguei por ser proibido.
eram para te oferecer, mesmo que eu nunca ofereça flores. agarrei a água do lago que como sempre escapou entre os dedos; a eterna e patética metáfora da nossa relação. tenho-te dentro de mim aonde não queres pernoitar, tens medo dos sonhos mesmo quando a realidade te dói. fiquei até o sol se pôr enquanto tu vieste pela noite com o brilho de sempre, o sorriso postiço de alegria redesenhado nos lábios e as mão trémulas de um nervoso miudinho, contagioso. persigo o teu olhar no escuro da nossa timidez, envergonhas que te ame, envergonhaste da minha ausência no teu coração. é a ultima vez que saímos, adivinho o teu percurso de palavras enquanto trilho um qualquer destino que nos é imposto. vou dar uma curva obrigatória, tu já deste meia volta ao meu sentir.

Ao Porto de ti.06

vem. o amor existe eu sei. já vi a sua sombra. esquece o que sabes e eu abandono a minha sabedoria, afinal que sabemos nós de nós mesmos? que sabemos nós um do outro ou mesmo do mundo?
vem. o amor vai-te contar uma história eu já não sei o que te diga. o espirito da lua cravou um espinho negro na minha alma, o espirito da lua já te tinha beijado na face, e eu também. é como se o amor fosse contagioso, como se o teu desejo me infectasse. foi só preciso um sinal dos teus olhos. eu estupidamente resisti. por isso agora digo: vem.

Regresso

É sempre bom voltar a casa e ver que no correio, sim aquela coisa tradicional feita de comunocação em papel, e ver que temos um bilhete que diz "Esta cidade não é a mesma sem ti" mesmo que não diga mais nada nem venha identificado. Apesar de gostar do contéudo da mensagem não gosto de mensagens escondidas na máscara do anonimato. Espero que seja só uma questão de suspense, é que gosto de pessoas que dão a cara e se assumem, sem jogos podres ou mentiras.

terça-feira, novembro 25, 2003

Ao Porto de Ti.05

Faz frio. Vejo-te andar na rua cinco andares abaixo, aprecio o teu andar. Sou um voyeur que me aqueço no teu corpo... Duras pouco na paisagem mas eu segredo-te que ainda aqui estás.

Ao Porto de ti.04

Faz tempo que procuro sangue novo na lua mas nem todos os dias o sol nasce nas palavras. Raros são os dias em que a lua sonha mesmo que me agrade que o tempo corra fechado na ampulheta de vidro esfumado com segundas intenções perversas. O tempo arrasta-se na baba do caracol, o tempo não sabe nada do que está para trás; o passado é apenas grão posto a ser desfeito na mó do teu coração.

Ao Porto de Ti.03

Não tinha necessidade disto, podia chorar com a facilidade de uma lágrima só mas o coração esvai-se na fadiga das palavras e é só um sentir desencontrado que me prende às entrelinhas donde suspendem páginas cor de rosa de sonhos desfeitos.

segunda-feira, novembro 24, 2003

Ao Porto de ti. 02

Agarra-me devagar, eu vou cair. São os teus abraços que me empurram e as mãos lassas que me seguram? Estou enganado e não menos perdido, é a loucura que se esvai nos poros da alma. Sinto-me correr longe de mim, como a fuga às lágrimas que escondi nas núvens. O pé na poça, na poça escavada na estrada. A lama escorre, uns quantos grãos de terra sujos do medo. Quase sufoco no arfar do pré-choro. São os olhos que se escapam da sua orbita no ponto geocêntrico dado à fuga. Podes dizer. De qualquer maneira vou morrer.

Ao Porto de ti. 01

Já quase dentro dos teus olhos o pincel da noite fez a traço negro uma lágrima. São os teus olhos de fumo o espesso nevoeiro da minha alma, e o teu sorriso remexido na espuma alva a lama fofa do meu desespero. Ergue-se o dia por uma pitada de vento, a aragem desfaz a areia no teu corpo, esse molde imperfeito dos meus sonhos. Orgulho-me de te sentir na borda esquerda da vida, no convés torto aonde baloiça o mar, aonde cai o crepúsculo na corrida com as estrelas. Não faço desejos de ter ter, outra vez. A noite adormece sem sonhos.

Dantes

Lembro-me de quando eu era um bloguista mais assíduo e diariamente escrevia posts. Bem, as férias vieram e uma dose extra de trabalho e uma fase menos literária foram-me deixando menos activo aqui na Espada Relativa. Lembro-me de que quando nos ausentávamos logo diziámos que iriámos estar ausentes. Bem, esta semana vou estar ausente e impossibilitado de escrevinhar qualquer coisa. Pode ser que, depois desta avalanche de trabalho que culmina nesta semana, Dezembro traga uma nova aragem e uma nova assiduidade. Quem sabe.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Circo

Primeiro pensei que o amor era feito de uma luta transparente mas com o respirar confuso e sofrido do passar dos dias a aliança que unia as relações ficava baça e descorada, ou mesmo com a brancura de uma folha de papel sem palavras. Essa altura rasante do amor como uma planície de distâncias visíveis que só serviam para ocultar o querer e o amar; todo ele feito de conquista e engano e jogo, e de muito querer mas pouco querer de amor. A vida foi-se escorrendo entre o coador do tempo e filtrava-se entre as dores que não diluíam, nem facilmente as mais pequenas que se mantinham à tona nem as grandes que caiam como pedras que rolavam montanha abaixo. Era o precipício de uma zanga pelos amantes escarpada e, entre essas encostas profundas de iras sombrias, o vale fundia-se cada vez mais marcando linhas e linhas nessa curva de desnível. de afinidades já esquecidas de um amor falseado.

Mas no segundo que te conheci...

Foi como tornar pequenas todas as serras e altas montanhas, no alto desse estado de espírito tremendo de um frio feito de temor e imobilidade, de uma ânsia forte como uma âncora, aportava-me ao teu olhar doce e, encostado a esse porto, esse leito calmo da esperança do teu desejo o meu beijo imaginável desprendia-se do meu silêncio vogando num ar de olhares fugidios e quereres escondidos de encontro a uma boca imaginada, grande fofa e quente; um algodão doce numa feira de fantasia de um circo em nosso redor capaz de nos fazer rir, de nos fazer rir o risco de um trapézio sem dor nem rede. E nós, palhaços dessa covardia que é falar com um olhar e afastar da boca a palavra que faz do querer a verdade; a verdade do querer e de isso acontecer.

E mesmo eu fazendo-te sorrir do nosso espectáculo; eu, de lugar em lugar, eu a mostrar que usavas a máscara de tinta branca e mimo de graça, e lábios vermelhos de engano, e o nariz redondo e grande, e a cabeleira laranja do pôr do sol do final da nossa caminhada. Nessa esplanada de um ar livre que nos prendeu não soubemos retirar a máscara que nos fazia sorrir, ainda que incomodados por esse sorrir do querer e do desejo. Até os palhaços que nós éramos sem percebermos que o espectáculo feito de máscaras de ocultar em vez de falarem o desejo que se calava nos nossos olhos de amar, e ficava sem poder respirar escondido na máscara triste e sem magia da covardia.

quarta-feira, novembro 12, 2003

Iceberg (a S.)

Se eu tivesse uma alma forte que te içasse mostrava ao mundo o iceberg da tua beleza.

Magia

O mágico Luis de Matos propôs-se a adivinhar o resultado do jogo particular entre o FC Porto e o Barcelona para a inauguração do Estádio do Dragão. Não seria nada mágico que ele conseguisse adivinhar os resultados dos próximos jogos da Superliga.

terça-feira, novembro 04, 2003

Sombras

raras sombras sobrevoaram o meu quarto com tão vasta e intensa penumbra, deixando acre o paladar apagado no céu da boca. eu, já esquecido do trago húmido do teu último beijo com a minha mão estendida, os olhos abertos à torneira do choro. entretendo-me nesse espaço oco, percorrendo o fim da cama alugada onde só uma saudade porosa o poderia preencher e um grilo cantor trazia lembranças fantasmas com os seus delírios translúcidos. o calor doía só de respirar uma ausência
ainda que mais de um verão depois.

segunda-feira, novembro 03, 2003

Nuvens

Nunca tinha percebido que eras uma nuvem, nem mesmo quando o meu coração pingava, sim, um gotejar constante que fazia eco quando as gotas embatiam no chão de cristal. Dentro do meu corpo para me enternecer o sangue rejubilava. Nem mesmo depois da lua cheia, sim, quando nos deitamos na praia e o amargo sentir inundava-me na sua água. Só nessa altura reparei que os teus olhos choravam, sim, nunca tinha reparado no seu azul, no que do brilho estranho e visível era apenas o colorir vítreo e raiado do choro. Sim, tu fazias aquários nos teus olhos e de sorriso fingido sempre mentias com a boca pequena. A tua boca amada presa naquele arfar silencioso do amor. O teu silêncio destruía uma vida escondida; a tua, entregue a um acovardar, ao medo de um acabar algo nunca havido. E gelada ficava a promessa de uma união, como uma gota aprisionada no alto de uma nuvem. A tua vida com a minha, atada num torniquete de vontade que te infligia a medieval tortura de um dilacerar. Eu nunca descongelava a água aprisionada nos meus olhos mas passou a chover todos os dias.

sexta-feira, outubro 31, 2003

(e/ou) Parte II

O (e/ou) foi escrito entre 28.dezembro.94 e 09.fevereio.95, esta é a parte 2. A parte 1 fui publicando aos pedaços e deve estar nos arquivos da Espada. Quando o escrevi foi mais como um exercicio sobre o ritmo do texto, nada mais do que isso.

(e/ou) 2.12

depois fiquei triste, só isso de ficar triste, de dar mais um ponto à saudade; por um telefonema, não veio; por uma mensagem, via-a.
para dizer não, um ponto mais ao desejo de compartilhar, novamente.
a falta de não estar ou de estar contigo e, se estás onde estás, onde dizes que estás é dúvida minha que dissipo porque me esforço, porque assim quero acreditar. na verdade que dizes ser tua, pela confiança de...

(e/ou) 2.11

partida adiada, regresso precipitado. o que esperar? um porquê? razões? ou uma espera longa?
a espera. pouco tempo, pouco espaço. hipótese para a descoberta. difícil, difícil outra vez. quase como sempre: infrutífero!...
o futuro eu não digo ou não sei, e se soubesse talvez não diria: se me enganava, talvez!... creio nisso, penso nisso.
espera, adiar...constante.

(e/ou) 2.10

se eu for à tua terra não me deixes ver essa terra, como disseste às escuras. e eu, ainda contigo... mas mostra-te ou mostra a cidade, o que é teu nela que é na mesma: mostra-te. só a ti te quero ver. e à cidade. a que não queres mostrar-me, mostra-te: mostra-me. e eu olho. e gosto.

(e/ou) 2.09

corri.
ao teu sinal ou ao teu chamar, sem saber seres mesmo tu. e eras. tu. longe. dizes: longe. sim. tu.
ouço-te, isso quebra distâncias. sinto-te, por isso corri. sim. isso de saber que eras tu. ao telefone.
tu. e eu. ao telefone. sempre longe. na mesma, ainda: perto. a sentirmo-nos, ao telefone. sim.
tu. e eu

(e/ou) 2.08

num caso ou noutro, há uma ligação a uma terra que fica longe. ainda por cima isso. sim, isso de ficar longe.

quinta-feira, outubro 30, 2003

(e/ou) 2.07

partida.
sempre uma viagem e um prenúncio de saudade. pára, e recorda: as mãos puxadas e repuxadas por um fio invisível, agindo descontroladas, demedidas. e frenéticas. ao som da música como uma cobra enfeitiçada; a música bate estonteante, estou a vê-la no ritmo, perdida no ritmo, na vida, toda ela, no que se passa ao seu lado, no que se passa na sua vida. a vida na sua vida: carrossel como bebedeira. tonta: de dança, do álcool, do vício da vida.
há-de chegar, chegar a algum lado, talvez já não tão perdida. reencontrada. ou ainda mais tonta, mais ébria do vício de viver, de fazer o querer, sem pensar, sem sentir. a querer,sem pensar, sem parar. e gira e rodopia, sempre a partir, sempre a querer chegar ou sem nunca parar.

quarta-feira, outubro 29, 2003

(e/ou) 2.06

horrível este carnaval de gente desmascarada a intriguista, a rugirem snobes e petulantes o tiro à ponta de espingarda de especulações de merda. justiça?! façam-na, mas ouçam antes de condenarem, saibam bem do que falam ou calem.
horrível carnaval de gente mascarada, mostrando entre dentes a saliva perfumada a intriga, e olhares trancados em casas alheias e sempre muita renúncia a enfrentar a palavra séria, e a que doi, e a que importa, e... ... talvez já sem palavras.

(e/ou) 2.05

atrapalhou-se.

desajeitado, nervoso a fazer a declaração. estava incapaz de lhe dizer sim. sim: respondeu. apenas e afinal a uma banal pergunta. Ainda com os olhos pousados sobre os dela, sem fazer muita força para não soltar um sorriso. um sorriso: gostou da ideia. sim. consentiu agora sentar-se. melhor assim. sorriu. tens graça a sorrir: disse ela. corou, claro.

atrapalhou-se.

ia segurar-lhe na mão mas o dedo indicador traiu-o numa carícia. ela abriu os olhos. os dele tombaram. ela, sempre com imenso carinho, levantou-lhe o rosto pelo queixo com a mão espalmada de quem se entrega. atrapalharam-se. os lábios mereciam um beijo, nem sequer um sorriso. havia gente em volta, imensa gente. olharam-se e segredaram: sim!... é a melhor saída. depois, duas direcções ou não...

segunda-feira, outubro 27, 2003

(e/ou) 2.04

um dedo um dedo encurralado noutro dedo. maneiras bem mais fáceis de morrer, há outras, muitas outras. início onde tudo começa.

foi assim: disse. como se houvesse um fim. havido: perguntou.
depois disse que eu não queria saber. que as perguntas a atrapalhavam e que já nada podia saber. ainda disse: reticências.

um dedo um dedo encurralado numa língua. era talvez mau, assim pior: pensou.
mas há outras coisas, muitas outras coisas, claro. como sorrir feliz

e depois disse que os corpos se misturavam e que de mais nada queriam saber. que se fechavam assim, sozinhos: concluiu. e que há sempre mais do que uma conclusão para todas as coisas: o isto e o aquilo, ou como o toque de um dedo pode magoar: disse.

Cegueira imoral

Agora que as prostitutas já podem pagar impostos uma questão permanece por desvendar. O recibo vem com o valor descontado do que remanesce da extorsão do respectivo chulo, ou as prostitutas, que ainda não podem ser legalizadas por uma cegueira mais imoral do que a suposta imoralidade de vender o corpo, para além de terem de entregar o dizimo aos extorcionários dos chulos ainda vão ter de pagar imposto sobre um valor que não recebem? E os chulos também podem pagar impostos? É que as prostitutas que persistimos em manter ilegais nem credibilidade têm para acusar os respectivos chulos extorcionários porque se estão a auto-denunciar de uma infracção bem menos grave do que a gravidade miserável de que são acometidas. Diz-se que a justiça deve ser cega, e eu sublinho, mas desta cegueira da sociedade somos todos culpados por mantermos o silêncio. Como não temos coragem para mudar a situação, nós, a sociedade "moral" preferimos ignorar. O melhor é não mexer muito no que já sedimentou e a legislação um fóssil muito parecido com um câncer.

domingo, outubro 26, 2003

(e/ou) 2.03

acordei a precisar, ou talvez não, e volto a adormecer. apareces no sonho já velha, eu incapaz de esperar, ou esperar tão pouco de ti. foges à procura de um precipício talvez uma loucura mais,
ou nada que se pareça com isso e ainda, ou ainda assim, emerges da emergência desse sentir. possesso. que é querer, de venda nos olhos como se tudo fosse possível, ou só bater em tudo
para chegar a nada. sonho aborrecido e acordei.

(e/ou) 2.02

hei-de querer sentir-me roubado nem que somente aquele beijo que pediste e não dei. só por pensar, ou achar, que o podias ter feito, pedido, ou noutra altura ou doutra forma. e talvez consiga
menos roubado sentir-me, roubado mesmo a sério. sentido como dor e perda, na mesma dor, na mesma perda. por um porquê que não posso contar, ou não devo?

(e/ou) 2.01

estou à espera, a vida repete-se. não é isso que quero. um pé cá outro lá:
já disseste ou já partiste e deixarás onde o coração?
lá ou cá? receio de partir, receio de ficar. o meu e o teu. e/ou vice-versa.
(depois pensei noutra coisa que não tinha nada a haver mas era outra, e só por isso, um alívio; que viver de pensar na mesma estúpida equação ? irresolúvel por sinal ? era por si só, um resultado positivo)
estou à espera a história repete-se, repetem-se os finais ou a história muda? o tempo cura mas também estraga; a ausência sossega mas também adormece e tu preocupas-te ou julgas que eu não?

quarta-feira, outubro 08, 2003

O Sol e' escuro

De repente é um sol, que se põe dentro da garganta, um eco que se esfuma num quarto muito escuro. É a palavra finita que esbarra numa palavra de negro, de luto. É a corda da garganta rompida no ultimo grito, na ultima dor. Os violinos tocam no telhado feito céu de tempestade, são sons perdidos no dedilhado de um concerto insone. É a noite que perdura na ausência do teu sussurro de pele. É o choro da criança que na fome de meio da noite nos desperta. Não nos pomos no lugar um do outro. Nunca. Jamais trocamos de lugares. A noite é de novo o local de chegada e o dia a partida. Somos escuros. Queremos ser negros e vazios. E somos. E somos só a pele, e somos o corpo vazio. Somos a voz indizível, o sonho inatingível. Vivemos paredes meias com o perigo de desmoronar um castelo de cartas de fantasias. É tão giro, acaba-se tudo num pequeno sopro. De repente somos só isso, um sol com interruptor.

Ausência

Há alturas em que é o silêncio que vem povoar as palavras.

segunda-feira, outubro 06, 2003

As coisas boas estragam.. as ma's tambem

Uma vez ofereci-lhe um livro de poesia. Gosto de dar palavras. Muito mais do que falar. Às vezes, não sabemos o que querem dizer certas palavras, mas elas soam bem. É um requinte da alma. Outra vez ofereci-lhe um romance. O nosso. A casa dela estava cheia das minhas palavras. As palavras nunca perdem o valor. Às vezes, só se alteram na linha contínua do tempo. Adquirem outro significado. Estás-me sempre a mimar com as palavras, disse-me ela. É, as coisas boas estragam-te... como a uma criança mimada. Deixa estar... as más também!

A rapariga dos olhares

Sexta à noite. Sábado à noite. Tanto dá. Quinta-feira. Um dia qualquer à noite. Nós sempre no mesmo bar. Ela a dançar, a mostrar o seu sorriso e o seu jeito de menina. Eu de copo na mão, para fazer outra coisa que não somente estar a olhar para ela. Ela sempre a dançar, a mover o corpo numa dança a dois com um parceiro invisível. A provocação da dança. Cobre-me de olhares o tempo todo, como se eu tivesse frio. Enche-me de carinho com essa caricia que é o olhar. Mas sempre à distância. Quando passa rente a mim desvia sempre o olhar. Faz de conta que não me conhece. Que não sabe o meu nome que eu próprio lhe disse. Que ela própria repetiu com aquela boca pequena para fingir que o fixava. Mas parece que não me conhece, que só me conhece quando me cobre de olhares para quebrar uma distância que afinal não quer encurtar.

quarta-feira, outubro 01, 2003

O Canto Escuro

Porque estão eles com as faces fechadas um no outro? E sem sorrisos, só com olhares tristes? Estão a fugir? De quê? De quem? Porque estão eles no canto escuro? Terão medo da luz? Ou medo de se olharem olhos nos olhos? E eu, porque os observo? Será que as suas bocas que se tocam, derretem-se e aleijam-se, da dor? do prazer? Será que as suas mãos quando se entrelaçam, transportam mais do que caricias? Comunicarão? E eu porque os observo? Talvez o canto escuro seja um abrigo, de quê? de quem? Da luz? Não, se fosse pela luz, porque fechariam os olhos quando se beijam? Talvez o canto escuro seja a sua solidão? Quererão privacidade? E eu, porque os observo?

segunda-feira, setembro 29, 2003

A rapariga e o pensamento

Andávamos sempre de mão dada num pensamento sobre uma certa filosofia de vida. Um mundo encantado, quase privado e só para nós. Olhava-me com sabedoria com uma presença que sabia só sua. Nunca mentíamos. A verdade, por vezes, parecia um carrossel que nos punha tontos e que, por vezes, doía como se nos estivessem a picar agulhas. Obrigava-me à sinceridade fazendo-me vergar à sua doçura. Falava com desenvoltura num despique de palavras muito especial, uma guerra que amávamos e que nunca ninguém ganhava. Não era preciso ninguém vencer. Um combate de esgrima onde nunca se marcavam pontos, a pontuação ficava nas frases. Ela nunca se impunha mas defendia o seu querer com muito mais querer que o meu. Tinha dela essa impressão. Chegávamos a falar de coisas desnecessárias mas muito importantes. Tinha sempre a sua razão mesmo quando queria que ela não a tivesse razão nenhuma. A sua inteligência era sexy. Dava vontade de acreditar que as pessoas não ligavam à beleza física. Até parecia possível. Não que com ela fosse preciso.

A mao pelo corpo

Corri, como a um defunto se faz, a mão gelada pelos olhos em gesto de morte. No corpo de latente cadáver, corri, a mão sempre amena: na boca, no peito, até apertar
com a força do escândalo a barriga de mulher grávida. E corri, de novo a mão em carícia espalmada bem em cima do sexo repleto de amor e fecundidade. E toquei, bem fundo de paixão o útero amado donde nasce a vida. Corri, como a um defunto se faz, a mão pelos olhos pelo gosto de te matar; a todos os olhos de outros. E no teu útero,
como um toque divino, fiz nascer-te em amor para mim.

Maos

Mãos de aranha. O gesto dos dedos, reflectem-me imagens. Dedos quebradiços, longos, perspicazes. O gesto dos dedos tem a doçura feminina do fascínio…

domingo, setembro 21, 2003

...

O teu corpo sem a tua alma faz-me mal.

Ha de haver uma outra realidade

Tinha a certeza de termos morrido. O carro irreconhecível, numa amalgama de metais retorcidos e contorcidos eram prova disso. Havia uma série de líquidos viscosos a escorrerem entre as peças fumegantes do motor e por debaixo do carro, um fluído vermelho fazia um pequeno riacho. Lá dentro estavam os nossos corpos, mas eu não tive coragem para olhar. Tínhamos decidido nessa noite voltar ao quarto da sua prima. Conseguira-me convencer de que se libertara dos seus fantasmas e que agora me queria. Quero-te dentro do meu corpo, disse ela como argumento final. Um excesso de ansiedade apoderou-se de mim. Às vezes, a verdadeira realidade da vida esconde-se por detrás de omissões, ou apenas de pequenas coisas que desconhecemos. Disse-me ela quando entrou no carro. Eu apenas respondi, é natural que hajam outras realidades. Agora, de mão dada com ela, estou a flutuar dez metros acima do meu corpo. Decidimos ir embora. Não tínhamos ali mais nada que fazer, mas apenas, muitas coisas por descobrir.

quarta-feira, setembro 17, 2003

BlogoInterrupcao

Não sei o que deu a este blog que ficou em silêncio quase uma semana. Depois da tão propalada silly season será que nos voltámos para uma silent season?

Uma coisa esquisita no meu coracao

Estava a trabalhar quando ouvi a sua voz, num além que julguei não ser possível de acontecer. Acordei com ele num murmúrio que parecia ao meu lado, ao meu lado ou dentro de mim. Sussurrou o seu amor por mim que eu tinha medo de acreditar, medo de sentir verdade. Galgou comigo essa noite de trabalho que não queria ter fim. Tens sorte em ter um amor como o meu, disse-me na sua ausência com a sua voz de mel de novo na minha cabeça. Tinha o espirito dele a falar comigo, como se a sua alma estivesse em contacto etéreo, buscando a nossa alegria, o arrepio na pele. Tentou de tudo para provar ser ele quem ali estava, não em carne e osso, mas o seu espirito de luz. Deu-me um número, depois disse-me ainda ausente, amanhã telefona-me! Telefonei-lhe no dia seguinte como me propusera, perguntei-lhe se ele sabia o sentido daquele número, sem medo algum de desmascarar a minha possível loucura. A sonhar com fantasmas. Logo eu. A sonhar com o seu espirito. Ele respondeu, sim, é o número do meu bilhete de identidade mas, como sabes? Como dizer-lhe que tinha sido ele, a sua alma enquanto ele dormia, quando num sonho qualquer soltou palavras de amor, num sonho que como muitos outros se esquece ao acordar. Senti uma coisa esquisita no meu coração um formigueiro tal qual uma mão dormente, uma coisa que se sente e não se sente. Tinhas razão poeta!

quinta-feira, setembro 11, 2003

Zapping

No zapping de hoje apanhei a seguinte frase numa das telenovelas basileiras: "Jornal é tudo a mesma coisa, a gente espreme, espreme e só sai sangue". E eles que ainda não conhecem o telejornal da TVI.

Os caracteres chineses

Não há muitas raparigas que façam disparar assim o meu coração. Podes ter certeza disso. Se um sorriso teu o faz bater assim tão forte e desgovernado, nalguma coisa as nossas almas comunicam. Somos feitos de uma qualquer essência supra-natural e há qualquer coisa de kármico no nosso encontro. Como se as estrelas tivessem escrito uma qualquer história, e nós, marionetas desse romance, somos impotentes para fugirmos ou traçarmos uma qualquer outra rota. Não faz mal, assim está bem. Chega-te a mim. Assim juntos de mão dada para fazer funcionar a união. Fazes bem ao meu coração porque lhe dás o ritmo, a paz e a candura. Fazes bem ao meu coração porque lhe dás o ritmo, a paz e a candura. Repetiste tu, como se esse eco fosse uma extensão de mim. Chega-te mais a mim mas mantém-te onde estás. Disseste tu, imitando um paradoxo budista. Há um qualquer caracter chinês que explica muito bem a nossa relação. Pois há, disse ela, mas não to digo. Depois disse-mo mesmo sem me o dizer. (1995)

quarta-feira, setembro 10, 2003

A rapariga com os pes na agua

Tinha acabado de perder o irmão. Molhou os pés na berma de um lago ladeado de árvores altas que davam amplas sombras e que filtravam o sol fazendo-o vibrar cintilante na água tépida. Estava sozinha e ainda mais sozinha. Um grito de dor soltou-se-lhe da boca afugentando os pássaros que bateram asas, voaram um pouco sobre o lago e, já sem medo do grito triste da rapariga, voltaram a poisar nos ramos que haviam abandonado. Havia telefonado a todos os seus amigos para que não ficasse sozinha, mas continuava sozinha. Porque quis. Porque quis encontrar o seu irmão numa qualquer água. A água que era o símbolo da perda do seu irmão, porque aí o tinha perdido. Encheram-se de água cristalina e salgada os seus olhos quando lentamente mergulhou desfalecida num lago pouco profundo.

segunda-feira, setembro 08, 2003

A rapariga e o desassossego

Eu também nunca soube o que era estar parado. Andava sempre a correr sobre florestas encantadas. A pensar em coisas que não existem. A viver momentos com pessoas que apenas eram fantasias minhas. Nunca tive coragem para bater à porta de ninguém. Sei o que dói a pessoa não estar, ou não nos querer receber. Essa dor já passou.
Isto para falar dela.
Andava preenchida com vontade de mudar, por isso bateu à minha porta. Eu abri, não somente a porta de casa mas todas as portas que servissem para alguma coisa na minha vida e mesmo as que não serviam para nada, as que eram apenas empecilhos. Eu tinha sempre muito mais medo do que vontade. Embora existisse sempre muita vontade a pulsar no interior. Haviam gestos ou olhares que me faziam acreditar no desejo dela. O seu corpo dançando sobre o meu fazia-me acreditar no desejo dela. O meu corpo no corpo dela era prova disso, dizia-me ela. Andava em desassossego o dia todo sempre a querer mudar o rumo da minha vida. Da vida dela na minha vida. Mas tê-la por ali, ainda que andando à volta como uma borboleta, era um conforto. Tão reconfortante como um abraço de pele. Da pele branca dela. Muita branca. A vida andava muito cheia, eu sempre a pensar nela, a resolver os problemas que ela arranjava à minha, e os momentos a dois que pareciam sempre poucos. Viver parecia um frémito. E era. E era inquietante, mas por estúpido que possa parecer, deixava-me sossegado. Só ela é que não sossegava. Queria o que não queria como se isso estivesse certo. Era uma pessoa nova a cada segundo que dobrava o tempo nos ponteiros. Nunca soube se isso era bom. Talvez por momentos demasiado curtos tivesse acreditado que sim, que era bom. Tentava de tudo para por a vida direita mas saia-lhe tudo muito torto, diria mesmo que demasiado torto. Houve um dia que se foi embora como uma tempestade, fez muito barulho, gesticulou muito, culpou-me de todos os erros que ela própria cometeu, chegou mesmo a dizer que eu era culpado de um dia ela se ter apaixonado por mim. Quando saiu de minha casa, apertou o meu coração com a selvajaria de quem não tem pena, como um furacão que passa insensível e destroi tudo até sussurrar numa acalmia. Que sossego!

domingo, setembro 07, 2003

O tempo dos sonhos

Acordo no teu rosto, os teus olhos na minha boca. Soluçar umas palavras pela manhã, a voz presa do cansaço, do teu corpo. O teu olhar sereno e o contraste da tua maquilhagem esborarratada, o negro a sair do verde dos teus olhos. Abro a portada para deixar entrar a manhã, a janela para recuperar o ar queimado no ardor do sexo. São as últimas horas que passas aqui. Não o sabemos, mas no ar o silêncio já o pronuncia. Volto a deitar-me contigo, os corpos ainda quentes, ainda muito quente a desafiarem o frio da manhã que irrompe da janela aberta. A vida acorda a nossa volta, nós ainda mortos, do cansaço do amor, da noite por dormir, de nos perdermos na imagem de uma lua redonda. Conto-te histórias nos teus cabelos, histórias vividas tempos antes, histórias inventadas de um futuro que tudo fará para não se cumprir. O futuro contra mim, contra nós. É essa a luta, tu também sabes. Que o tempo se saboreia no tempo, no tempo todo em que os sonhos ainda são possíveis. Não muito depois, tu já cá não estás.

sábado, setembro 06, 2003

A rapariga e as flores

Deve ter sido uma saudade bruta aquela, porque de repente foi tomado por uma vontade imensa de oferecer-lhe flores. Uma por cada dia que não estiveram juntos como se fosse uma compensação divina ou mesmo que a ausência e afastamento um do outro pudesse ser compensada de alguma forma na essência de um conforto material ou um carinho na alma. Nem mesmo era possível contar os dias que se perdiam no tempo disperso e confuso dos dia, nem havia assim tantas flores na loja. Não se importou. Não valia a pena zangar-se com o mundo. Foi o que pensou, a olhar para a empregada da loja ainda incrédula com o seu pedido. Muito tempo não estiveram juntos, tinha agora a certeza. Continuava a gostar dela com o mesmo carinho, com a mesma sensação de que a água dos sentimentos escorreria ainda como um rio sobre o seu coração. O tempo demora a passar sobre as pedras, é uma erosão que só faz cócegas. Havia sempre um sorriso no coração dela bem mais poético que uma desculpa. Escreveu-lhe uma carta em papel cor de rosa sem intenção. Era o único papel que tinha por perto. Gostava destas coincidências. Faziam-no acreditar num qualquer acto mágico. Um acaso é uma demonstração metafísica, pensou. Às vezes o mundo bate certo na sua engrenagem esquisita, disse-lhe a ela. Faz muito tempo que não conversam, faz muito tempo que a voz não se faz sentir, que os olhos não pousam sobre os mãos como mãos inseparáveis dos dedos. Embora continuem a falar da mesma maneira. Sempre a tentarem perceber o mundo mas sem se explicarem a si próprios. Só pode ser assim, dizem um para o outro. Já não se envolvem. O que é bom. Ficavam sempre demasiado perto e ao mesmo tempo demasiado longe. Ele de um lado da margem de um qualquer rio imaginário e ela da outra. Ficam bem a passearem um de cada lado. Às vezes o rio estreita e podem dar a mão, mas só por dois ou três passos. Está certo que seja assim.

quinta-feira, setembro 04, 2003

A rapariga da praia

Ia para casa sem destino a pensar no sentido da vida. Passava muitas noites em claro. Dormia pouco por causa da ânsia de querer viver muito e morrer depressa. Uma noite sob uma lua indefinida cima passeou na praia. Deu a mão a uma rapariga. Andaram de onda em onda gladiando-se com uma maré que os empurrava para a praia. Ele tentava salvar-se do naufrágio que se tornara a sua vida. A rapariga parecia uma âncora, pensou ele. Tirara-lhe o coração da deriva louca e sem rumo de um mar de sentimentos confusos e errantes. Descansaram os dois um pouco, sentados sobre uma rocha, abraçados os dois com os olhos postos no infinito da penumbra da noite frente ao mar. Ele olhou por algum tempo o rosto calmo dela. Era mais bonita do que um convite, do que a porta de um quarto aberta. Falaram de carinho e de outras tentações, mas nunca de amor. Se fizeram amor era porque não arranjaram outra maneira de o dizer. Mas não importava ser assim. Nunca quiseram saber o que faziam quando não estavam um com o outro. Eram bons os momentos que conseguiam estar juntos e isso, era por si só, um exagero. Uma felicidade demasiado grande. Podiam viver juntos se quisessem. Tinham um quarto alugado onde tantas vezes se encontravam. Nunca nenhum deles teve essa intenção. Não viviam um com um outro, mas não podiam viver um sem o outro. Estava certo ser assim, pensava ele. Dizia que ela o tinha sarado de muitas dores, que não tinha sido preciso salvar-se no corpo de muitas mulheres. Que tinha bastado o dela. Às vezes sorria quando pensava nela. Nunca pensava porquê que sorria, mas também não o tinha de fazer. Só queria saber se ela estava bem, mas jamais lhe perguntou. Sabia que quando estavam juntos estavam bem os dois. Uma sintonia que o fazia vibrar como a corda agitada de uma guitarra. Isso era já de si um bom consolo. Nunca pensou o que ela era no seu coração, agradava-lhe apenas pensar que ela estava lá sossegada como estavam muitas outras coisas. A importância de isso ser assim não fazia sentido, mas ele deixara-se de se importar com a razão das coisas, com os motivos complexos que a natureza lhes escondia. Bastava-lhe essa caricia que era tê-la no coração.

segunda-feira, setembro 01, 2003

Regresso

As férias já se foram e o primeiro dia de trabalho não me deixa grande ânimo para a escrita. Vou repôr a informação de como anda o mundo. Presumo que não tenha mudado muito, tudo questões de pormenor, as grandes notícias sabem-se logo. Vou confirmar.

terça-feira, agosto 26, 2003

O Cupido Apaixonado

Cúpido, porque choras?

Sempre de vi tão feliz, que névoa triste poisou sobre ti e te fez parar, impossibilitando-te de bater as asas e vibrar na melodia intrigante de tuas canções? Tu criatura alada que me fizeste feliz vejo-te agora assim e sinto, sim, sinto que sou eu também que me afogo, que me amarelece o meu rosto de dor profunda, que também estou eu sofrendo dessa doença nostálgica.

Cúpido, porque choras?

Tu que me atiraste uma seta e com ela, apesar do sangue que jorrou, fizeste a minha intensa felicidade. Tu que me inebriaste com o melhor dos vinhos, que me tornaste imortal no pensamento da que amo e que me ama. Tu que me deste tanto, que posso eu fazer por ti? Pede-me tudo, quero ser eu a cumprir o teu desejo, farei a viagem mais longa pelos desterros do mundo, roubarei e matarei se necessário for para ter de volta o teu sorriso mágico, para ver de novo as tuas asas baterem, tão hábeis, tão rápidas e felizes como uma pequena libelinha no seu vôo livre da manhã. Quero ouvir de novo o som do teu arco, ouvi-lo de novo a vibrar como uma harpa, e depois, depois ouvir aquele som seco e brutal da seta a cravar-se na carne, cada vez mais dentro, mais adormecida no interior do corpo e ver então os amantes sorrirem, felizes.

Cúpido, porque choras? De que necessitas tu?

- Devolve-me a tua, a minha última seta?

segunda-feira, agosto 25, 2003

Recorrência

É engraçado como esta frase escrita em 1992 tem uma recorrência extraordinária na minha vida:

Já consigo, em paz, olhar o verde.

Vem

vem. o amor existe, eu sei e já vi a sua sombra. esquece o que sabes e eu abandono a minha sabedoria, afinal, que sabemos nós de nós mesmos? que sabemos um do outro ou mesmo do mundo? vem. vai ser o amor a contar uma história, eu já não sei o que te diga. o espirito da lua cravou um espinho negro na minha alma, o espirito da lua já te tinha beijado na face e eu também. é como se o amor fosse contagioso, como se o teu desejo me infectasse, como se ao primeiro toque com qualquer coisa essa doença nos tomasse. foi só preciso um sinal claro dos teus olhos e eu não resisti. por isso digo. vem.

o tempo

faz tempo que procuro sangue novo na lua. a lua todos os dias sabe que o sol nasce nas palavras
mas raros são os dias em que a lua sonha. agrada-me que o tempo corra fechado na ampulheta de vidro esfumado com segundas intenções perversas. o tempo arrasta-se na baba do caracol, mas o caracol não sabe nada do que está para trás. o passado é apenas grão pronto a ser desfeito na mó do teu coração.

Hospedagem

Os barcos atravessam o ponto do horizonte aonde o sol se faz sentinela de um só olho. Faz um frio que corta o teu perfume que se espalha no vento, arranha as abraçadeiras lassas do meu coração.
Procuro a verdade nu tapete de seixos maduros. Por baixo, e ainda por cima. Quase mordo o caroço, o ícone da essência de uma noite, de qualquer fruto. Tens nos teus olhos a luz que a noite roubou.
O nevoeiro é um tear onde se tece a pele, o embrulho esfarrapado das nossas veias cansadas. Ainda tenho uma vaga na hospedagem do tempo que conservo com carinho. Podes ser tu, ou qualquer coisa sem guarida.

sexta-feira, agosto 22, 2003

Um verao cheio de ti

este foi o primeiro texto que escrevi nestas férias. precisa de umas revisões, com o tempo amadurecerá...


foi um verão cheio de ti. um verão cheio de luz nos teus olhos. cheio de conversas que imitavam palavras escritas. foram cartas escondidas em silêncios desbravados numa praia. as rochas que saltamos, os pés que molhamos cresciam como memórias que não morriam. foram grãos de areia contados entre o indicador e o polegar, a ampulheta do tempo a imitar o bater do coração instalado nos segundos do verdadeiro tempo. foram longos os passeios que destruiam a tarde, que subjugavam o pôr-do-sol até nos perdermos na noite. foi o orvalho que tombava nos teus olhos de riso, o humor da minha alma patética como um elogio terno. foram de novo as palavras, agora sussuradas aonde dormia o silêncio da noite. foi a boca no ouvido a escrever segredos nas orelhas, adornos ainda mais reluzentes que brincos de prata na ternura da aurora. foram textos de intimidade no diário de uma só noite. foi de novo o sol, foram de novo dias como outros dias, como os dias que se seguiram. foi de novo a praia, o sol que queimava o teu corpo cada vez mais queimado, foram os olhares que regressavam em vagas de timidez. foram os toques na pele as feridas que ardiam depois das despedidas. foram os momentos em que ficava sozinho, a escrever, a escrever-te cartas imaginadas que se perdiam nos sonhos e não regressavam. foram as histórias embriagadas no final da tarde, foi essa tarde que mais uma vez se perdeu na noite, nessa noite que na praia, junto ao mar, te abracei o tempo todo que ousaste permitir. foi uma noite toda embalada nos meus braços, os segredos eram silêncios transmitidos boca a boca, as palavras saliva enredada no céu estrelado da boca. foram palavras estrangeiras trocadas no dicionário dos dedos, traduções de dialectos na brincadeira de duas línguas. foram noites cada vez mais silenciosas vividas na câmara escura dos olhos. trancados nas paredes finas de pálpebras, falavamos com as mãos nos cadernos escuros do corpos. foram noites de textos longos que só falavam de prazer. foram prazeres que foram repetidos no final de noites, no final dos dias, e dias seguidos, em dias consecutivos, no próprio dia as vezes que a alma queria, e o corpo lá ia e vinha cada vez mais escrito de memórias que não iriam querer morrer. foi a noite que choveu, qual diluvio que te levasse, qual chuva que te molhava os olhos de dor, que te escondia o sorriso num abraço dado na alma. foi a chuva que te levava, que extinguia o verão. foi a chuva nos meus olhos quando te vi partir, por detrás de um vidro que te levava, pingado de dor que escorregava por esse mesmo vidro que te levava cada vez mais longe, cada vez mais longe, cada vez mais longe...

San vicente del mar, 18.agosto.2003

Combate

Ontem enquanto aguardava o início de uma sessão de "home cinema", debati-me com o pesado adversário João Pestana, escusado será dizer quem ganhou, não vi filme nenhum.
São estas situações que me fazem lembrar da nossa condição primordial de seres animais antes de uma qualquer pretensão racional.

quinta-feira, agosto 21, 2003

Vicios

Dizem-me agora durante a minha incursão diária pelos blogs "Viciada!" ao que eu respondo "Como não fumo..."

Escrita

Afinal escrevi muita coisa estas férias que ainda vão a meio. Como escrevi na forma tradicional do papel e caneta tenho de arranjar um tempito para dactilografar tudo e então poder pôr aqui.

Trocadilho com pensamento pornografico incluido

Descobri um bar onde tocavam jazz de qualidade num sitio que apesar de lá ter passado muitas vezes nunca tinha reparado que era o unico sitio com animação do sitio aonde estava, uma terra sossegada no norte de Espanha, ao fim de umas quantas cañas pedidas sempre a mesma empregada e estando eu sozinho era natural que surgisse alguma conversa, nada de especial que se registe, a não ser quando eu digo que me vou embora e ela:
- Y mañana? viente mañana!
O bom senso impediu-me de dizer em alto e bom som:
- E Hoje? Porquê que não pode ser hoje!

Lembrando Hemingway

Enquanto tomava um café solo e uma cervejita na esplana uma rapariga na mesa ao lado pergunta-me:
- Siempre te miro acca escreviendo. Eres escritor?
- Me divirto escriviendo solo eso!
- Lo veo, cañita en la mano y por veces, una sonrisa. Ya lo habia reparado.
No dia seguinte lá nos encontrarmos na mesma esplanada e depois de um cumprimento de olhar, ela pergunta-me:
- Oye! Hemingway de la cañas, tienes fuego?
Pois é o absinto já não está a dar.

Ham?!?

- Porque é que às vezes ficas com um olhar estranho e distante? Em que pensas?
- Em nada. Sou eu que tenho uma alma triste e às vezes sou assaltada pela tristeza.

quarta-feira, agosto 20, 2003

Ritmo

Faltam três dias para ir de férias e já estou no ritmo! Nada melhor que viver no limiar dos acontecimentos, cresce a expectativa e não chega o momento.

A ti sempre

Penso no meu carro que te vai visitar e eu não estou, lembro o quanto queria ir, o desejo de já lá estar e o ter de aqui ficar. A minha vida segue o ritmo cadeado deixado pela tua existência. As lágrimas que me descem no rosto são a minha procura de ti. O meu suspiro não é mais do que um intervalo que faço na vida em tua homenagem, é a melhor forma que tenho de comungar contigo agora. A felicidade que vou encontrando hoje é um brinde a ti e às tuas pacientes lições de vida que me davas. A ti, sempre.

Altivo

Olho para ti, e vejo a dignidade ancestral inscrita nos teus traços. A tua postura, o teu olhar e pose são motivo da minha profunda admiração. Fico sempre surpreendida como as tuas potêncialidades podem ser admoestadas pelo carinho que tens por nós. Muitas vezes enquanto te admiro penso o quão fácil seria para ti impores a tua vontade. Mas logo fico embevecida com o teu doce olhar e carinho enquanto te faço uma festa.

Percurso

Na nossa existência temos de ultrapassar um determinado caminho para terminar onde deveriamos. O mais estranho é que todos temos de percorrer uma direcção tão distinta uns dos outros. Quem nos faz tão diferentes? As nossas escolhas ou as nossas vivências?

terça-feira, agosto 19, 2003

Reviver o passado

Existem vivências que parecem pertencer-nos de outras vidas, às quais atribuimos uma linha de seguimento de tempos passados. Mas será mesmo assim? A nossa vida será constituida por repetições do já vivido? Não temos direito a partir do nada e construir um todo novo?
A melancolia que hoje me assalta faz-me pensar nisto.

segunda-feira, agosto 18, 2003

Work, work, work

Ainda tenho mais uma semana pela frente antes de seguir para férias.
O fim de semana foi muito bonito, o norte tem muito encanto e a ilha de La Toja merece a visita com uma atenção mais cuidada.
Bom, por agora tenho de continuar com o trabalho, só não podia deixar de enviar um post!

quinta-feira, agosto 14, 2003

E´ Hoje

A partir de amanhã e até ao final do mês é provável que não aja mais posts por aqui. Da minha parte claro. Levo o meu caderninho para o que der e vier. Normalmente dá para fazer peso. Mas pode ser que uma súbita visão, tão bela como a que vi ontem, me abra o apetite.... de escrever.

Preferencias

Quase toda a gente elege os seus sítios de preferência sejam eles o café, o talho, ou a padaria. Cada um terá as suas razões, por certo, todas essas opções serão muito plausíveis. Mas pouco terão, como eu, uma caixa multibanco de preferência. Pois bem, eu tenho uma desde ontem. Ideias que a mente masculina tece.

quarta-feira, agosto 13, 2003

Snif, hum, ha!

Existem músicas com cheiro, não acham?

Viva o ocio

Este era um dos meus lemas de vida favoritos (enquanto teenager encadernava os livros com fotos e esta frase) o que dava um gozo especial aos machos da turma, faziam sempre o trocadilho - Viva ó cio Brisa?- claro que eu nem me dignava a responder. O meu olhar condescendente dizia tudo, é preciso ter um grande conhecimento de causa para retirar o verdadeiro sentido à frase. E eu tinha-o. Adoro ficar sem nada fazer, só a olhar para nada.
O que pode ser melhor do que expremer um modo de vida a uma frase?

Preguiça

Dou uma volta por vários blogs e vejo que está tudo a espraiar. É por esta altura do ano que verificamos que somos criaturas de hábitos idênticos. Nesta altura o país repousa lânguido à beira mar. Eu só mais tarde, é a velha mania de ser do contra. Por enquanto ainda vou postando algumas coisas (na próxima semana devem aumentar em quantidade, dada a maior disponibilidade temporal), mas na última semana de Agosto sou eu que me ausento por alguns tempos. Vou tentar ir até um cibercafé para ir relatando algumas das fiestas que conto visitar.
Desde já desejo boas férias a todos que partem por estes dias!

E agora?

Qual será a melhor forma de lidar com a situação? Devo esperar a que te decidas partir, ou tenho de tomar uma actitude? Ainda não sei o que se passa. Nunca sei como reagir nestas situações, penso sempre que poderia fazer melhor, que deveria ter tomado outra actitude.
Agora sinto-me completamente baralhada no mar de possibilidades. Confio sempre no meu instinto, a isto chamo ter actitudes próximas do nosso estado mais primário, mais básicas.
Mas em determinadas alturas questiono-me. Esta é uma delas.

(e/ou) parte 17

três dias a evitar bater com a cabeça nas paredes por uma raiva crescente. entre letras injustas não te escrevo. talvez o fizesse, caneta cor de ira a debitar texto aonde havia branco, olhar de sangue e sempre injusta a palavra a fazer feridas como se quisesse rasgar o céu da boca. um frémito quase vómito de desejos contidos com laivos de maldade nas palavras pululantes de uma mente pouco calma, resguardo as palavras... as que não te escrevo. o silêncio fere mais, ainda mais quando o junto de indiferença. e eu gosto, amo essa indiferença que percorre veias grossas recebendo pontapés de um coração que, de forte, só tem a sua impenetrabilidade. mas não volto a dizer isso do teu, nem isso, só o silêncio e uma maldadezinha que é não contar segredos. nem por vingança. é só mesmo por indiferença, desprezo, pela tua injustiça ou o que queiras dizer porque já não te ouço.

Contagem Decrescente

Já só faltam dois dias. Será que trasnparece uma certa ansiedade e uma pitada de regojizo?

terça-feira, agosto 12, 2003

Una y otra vez

Tendo como exemplo a noite de ontem, só me apetece lembrar :

"Que bonito ès el amor bajo la luna en una noche de verano!"

Apenas por

Procurar o que nunca se encontra,
Vasculhar no liso de tudo,
Sulcar caminhos vistos,
Seguir.

Descobrirmo-nos nos outros,
Verem-nos como eles,
Fantasmas de nós.
Ficar.

Sinto a pele envolta numa suave película que levanta os pelos dos braços.
O arrepio do ar condicionado potencia esta sensação.
O cansaço está impresso nos meus olhos, e custa mantê-los abertos.
Malditas noites de calor.
Espero por melhores noites.
Dias sem fim.

(e/ou) parte 18

apenas uma carícia desperdiçada. na mão um leve tremor, e no bolso, uma sensação de abandono em forma de carta. tinha a palavra fim dentro e soube logo isso. pela textura rugosa do envelope e do sangue que fez nos dedos, bem nas pontas onde se inicia a carícia. fim brusco e violência estranha. pensou. e que, afinal, a terapia do engano funciona. que se vive melhor debaixo do tecto da mentira do que sob a expressão súbita e dolorosa de um fim telegráfico. porquês e razões ficaram guardados para uma outra escala do tempo e quando as receber vai achar falsos, porque julga agora ter sido sempre assim. e se estiver enganado? ou se já não quiser saber?

Contagem decrescente

Faltam apenas 3 dias.

segunda-feira, agosto 11, 2003

Horizonte

Horizonte, de uma viagem esquecida. Recortes por entre as montanhas onde são abruptos os pontos de ruptura. Peço-te, vem. Talvez ignorando o meu nome, o meu rosto. Vem irada, confusa, se estiveres perdida, vem. E esquece. O teu passado, a tua ira e encontra-me. Corresponde, ao olhar com um beijo, à palavra com a mão dada e amor. Acima de tudo, o meu poema junto à cabeceira como uma carícia. Se eu partir, o mesmo que dizer a querer regressar. Perdi-te no tempo das procuras, incapaz de controlar ânsias e peço-te, regressa. Com outro nome, com outro rosto. Mochila às costas, carrega pouca coisa, traz poucas recordações, não te esqueças do humor, traz o poema que ignoravas ser meu, e encontra-me. Não no fim do tempo, mas no princípio de uma qualquer viagem. (1995)

And now I'm back

Pois é, ainda agora de volta e já estou farta... Ainda me sinto presa ao fim de semana.
Porque é que os momentos mágicos não podem ficar cristalizados e durar para sempre?

domingo, agosto 10, 2003

Tempo

Tenho tempo, mas pouco tempo para o perder. Sobretudo tenho muita pouca vontade...
... até de escrever, poetizar com palavras as rudes atitudes dos outros.

Cesariny

Há pessoas que dizem coisas mesmo belas, mas depois, quando olhamos dentro para essas frases, dá-nos um arrepio, até dá medo...
Ama como a estrada começa*
Será isto outra prova do infinito? ou da infinita estupidez da utopia?

*Mário Cesariny, parabéns pelos 80 anos

sexta-feira, agosto 08, 2003

Bon

Je m'en vais! Desejo um bom fim de semana para todos, a ver se as coisas correm bem.
Espero que aproveitem bem!

Mariposas en la tripa

É bom sentir as coceguinhas no estômago quando temos aquele nervosinho de expectativa!
Não querendo parecer derrotista, mas quando fico assim algo corre mesmo muito mal...
Já outros têm melhores experiências.
E para um amigo que vai hoje ser entrevistado na NTV, tem calma que o nervosinho passa!

Desisto

Não acho normal que não possa fazer um plano e segui-lo consequentemente. Na minha vida há sempre o elemento contraditório que estraga tudo. Vaya suerte...

Baldes de baldas

Dantes erámos um pais de baldas, agora somos um pais a baldes...

Hummm!

Despertar e sentir que um dia novo começa sem vestigios de passado é a melhor forma de olhar a vida. Dá-nos a possibilidade de inventarmos todo um rol de acontecimentos que gostariamos ter visto acontecer. Sem as culpas, sem as tristezas do já vivido.

A justiça, ou talvez nao

CHIUU! BUM! BUM! SILÊNCIO.
E por muito que ao réu o acusem, ele irá sempre jurar a sua inocência.
CHIUU! BUM! BUM! SILÊNCIO.
Grita e bate o juiz com o seu martelo em punho... foice a democracia!.... Como um fálico objecto impondo a sua sexualidade machista, tenta acabrunhar o próprio réu que prossegue em achar-se inocente.... E ora são os juizes de acusação, com o seu ar severo, fingindo serem piores que as cobras, mais moralistas que o pápa, gritando:
C U L P A D O...
Ou ora são os advogados de defesa, mais humanitários que toda a humanidade junta, mais curadores que um remédio milagroso, argumentando:
I N O C E N T E...
E o réu ri-se, com muito dinheiro no bolso para pagar a caução.

Medo de Morte

Ouve! Aquele leve murmúrio, está longe não esta? É a Morte. Ela espera por ti, sorrateiramente espera que vires a próxima esquina para te encurralar num beco negro, sem luz e solitário. Ouves? Lá longe ela caminha, de soslaio pousa o seu olhar em ti, aproxima-se, quer agarrar-te. Faz um barulho louco, põe-te doido. Não foges? Estás aterrado de medo, uma força tão grande te prende que nem um pé consegues mover, sentes o sangue enrijecer até te congelar os movimentos e o teu cérebro já não é quem comanda, só o medo te dirige. Que se passa contigo? Estás com medo? Da Morte?!! Não tenhas medo. Quando ela poisar a mão em ti será como um raio que te fulminará: a morte é aquela breve fracção de segundo em que és para deixares de ser. Tens medo da Morte? Devias ter medo da vida. Tens medo da Morte mas não te demoves do teu erro: o erro de viveres pelo mundo sem viveres, sem gozares o momento em que respiras, sentes e vives. Tens medo da morte mas esqueces-te de viver.
(1989)

We all go down

- 'Up or down?'
We all go down
down that road
above a river
which runs ideas
murky ideas
of how to go up
- 'Up or down?'
asks the Devil with his horns
all the walls are boiling
and fire burns in red
smoke makes a storm
and the thunders scream 'n' shout
- 'We all go down'
Said the sinner to the sinners
and floor goes melting
and safe roads are ideas
burning in light red
- 'Are you all sure?'
plays the Demon to the sinners
all sinners
are as evil as the Devil, so
- 'We all go down'
(1989)

Curiosidade

Que nome se dá aquela pequena parte de plástico que fica na ponta dos atacadores?

quinta-feira, agosto 07, 2003

Prostrada

Muitas vezes me vejo parada, imóvel, estática, congelada numa centésima de segundo. Quando fico assim abstraida não reparo em nada em redor, são segundos ganhos num mundo diferente, são espaços em mim. Para num espasmo frio descer logo à realidade e seguir em frente.

Rosto de Carvao

Gestual... ou apenas um circulo? Uma união cabal como prova ou apenas um dedo giratório? E uma porta muito pesada que de mim nada deixa passar. Dou um beijo baço de névoa na minha sauna ardente. Como eu provo ser em ti um bocado de solidão. Podes. Renega-me. Se assim te der vontade, afasta-me para tão longe de ti. Engano-me... não és tu que não me queres, sou eu que não penso em ti. É tão obliqua esta verdade que de um ponto tão baixo a uma distancia tão longa tudo se evapora numa única linha: a linha do meu espelho. Olho-me, tão passiva, tão ingrata, tão sem nexo... e tenho medo; dos meus olhos; do meu cabelo; da minha cor branca de quase cadáver; dos meus lábios que pinto de um vermelho infernal que dizem tanta cruel realidade, que beijam pior por piedade, que quando sem cor têm som afinal. E neste espelho de imagens invasoras, evasivas, senhoriais, evapora-se um pouco de álcool, um pouco de éter, de sacrifício, de trauma, de redundância abalada. Falo por mim que sou parva, que sou um farrapo podre, uma escatologia coberta de sensualidade. Que posso fazer quanto ao meu desígnio? Destilar-me em água benta? Sucumbir perante ele? Ajoelhar-me como se fosse um santo... ele?!... e eu?... Serei assim tão rosa, tão carmim? Tão flor como quero pensar que sim? Ou serei diabo arrogante, enorme e selvagem senhor errante? Ou apenas um naco carnudo de tentação? Só consigo olhar-me no espelho e ver a minha pele lívida: morta. E ver os meus lábios secos: mortos. E ver os meus olhos venenosos: mortos. Não posso mais olhar-me, ver-me como não quero: morta. Ou sonhar e apenas sofrer; por sonhar e por sofrer, em sonhos, em sofrimentos que me delapidam constantemente. Não! Foge para longe. Falo para ti triste imagem, falo para ti triste miragem, falo para ti porque triste. Quando mais me apetece calar e quanto mais me apetece calar, é quando mais me acresce falar. Já não é suportável mais o meu rosto enegrecido pelas tuas mãos cobertas de negro carvão, desnudas de nojo e perdão. Já me é insuportável, um ou dois ou até três dedos, quatro ou cinco ou até uma mão. Cinco mais cinco ou até duas mãos cravadas em meu marmóreo rosto, tão negro, tão ameaçado pelo teu amor, tão belo, tão estragado pela tua dor. É ainda e só esta cor do teu carvão que nos une; ligação tão ténue mas tão irresistível como sonhar i uma lembrança uma nesga doce de um passado. Mas não consinto que te toque, que me toques ou que me abraces e que me beijes ou que me toques nos lábios e que eu sinta um prazer tão grande que logo fujo por medo por... por não saber que medo é esse, por não saber que é esse o medo; o medo de ter medo, o medo de ter prazer ou, e bem possível, o prazer de ter medo e continuar a ter medo do prazer. Já não suporto mais esta confusão, este desenho que em minha mão detenho feito por ti que desfaz-me a mim. E foi com as mãos sujas de grafite, de pó negro e feio que me agarraste a cara com uma raiva que eu julguei ser impossível e me apertaste... sentindo, sofrendo, suando... sem ser só sofrer ou só sentir ou só suar; ainda que um pouco de choro, ainda que um pouco de homem, ainda que um pouco meigo, pintaste também as tuas mãos só que no meu rosto tenho carvão, e num rosto é tão mau, tão mau, como mau, como má só eu sei ser, embora dependa tanto de todos, até de ti....... porque te ofendo?..... é sobretudo de ti, sobre todas as outras coisas, as outras insignificantes coisas, é ofensa minha negar-te, negar a minha admiração por ti, negar a tua superioridade sobre mim, negar tudo até negar-me a mim! Cada vez mais é impossível este meu rosto de carvão, tão feio, tão bruto, tão cru, tão rude, tão parvo, tão carvão. É a tua admiração que impede a minha adoração. E quando um de nós dois morrer vai ser um de nós dois que vai sofrer; sofrer por nós dois nunca sermos um. Eu sei, isso, eu sei, a fuga; tu perguntas, também tu imcompreendes a fuga. Porque fujo? Porque fogem os animais assustados? As bestas, os selvagens, os sanguinários e os rebeldes? Os desvairados e os sem-casa, os que não respeitam tudo e os que sabem tão pouco de nada? É tanto calor tanta sauna, tanta névoa, tanta nuvem, tanta dúvida, tanta pergunta, tanto calor, tanta nuvem... que não vejo nem compreendo o meu espelho, o meu rosto que já se apaga a visão que eu nunca também quis ver. E é já só branco, é tanto branco, tanto nada é apenas um rosto que alguém pensa ser eu como eu como assim por assim, como coragem desvairada, como dragão a vomitar fogo.
É já só raiva, é já só falta de coragem, é já só e nada, que quase já não sobra nem um pouco
um pouco de tempo para a tua indiferença. (1990)

Its always the same

Ontem em poucos minutos foi decidido que ia jantar à Costa Nova. Saída atribulada do Porto e chegamos ao som electro do momento. Adoro sair assim inconsequente, encontramos momentos memoraveis em decisões percipitadas. A noite em Aveiro estava mais fresca do que aqui, por isso aquando da chegada ao Porto deu para fazer umas pequenas caminhadas na abafada calma da cidade deserta. Gosto de conversas que seguem em caminho pausado de irreverência, palavras ditas com sentimento, agarradas à pele. São noites assim que me fazem acreditar que a nossa existência não tem de seguir paulatimanente um padrão. To you merci.

quarta-feira, agosto 06, 2003

Musica

Existem músicas que têm um cordel ligado à nossa alma, passe o tempo que passar, quando as ouvimos de novo, é repuxada uma qualquer memória.

Outra vez?

O calor abrasador está de volta, custa tanto andar na rua, sinto-me esplanar de tanto calor.
Adoro o sol e o verão, mas destesto as amplitudes térmicas locais, as diferenças abismais do dia para a noite deixa-me mal, se houvesse constância na temperatura eu até me habituava rápidamente ao entorno. Mas não, desaparece o sol do seu zénite e já o termómetro despenca. É lógico que, dentro de poucos dias, já esteja com uma constipação...

Talk, talk

Há conversas que se arrastam como se fossem intermináveis, e não duram mais do que alguns minutos, e outras tão interessantes que gostariamos de ver infindáveis e intemporais.

Vicios privados

É lamentavel o estado que ficamos depois de comer demasiados rebuçados de amendoim. O pior é que só se pára quando acabamos com eles...

terça-feira, agosto 05, 2003

Rilke ja ia as discotecas?

Começou como banquete. E transformou-se em festa, mal se sabe como. As luzes altas tremiam, as vozes esvoaçavam, tiniam canções confusas dos cristais reluzentes, e por fim, dos ritmos já maduros: brotou a dança. E ela a todos arrebatou. Havia nas salas um marulhar de ondas, encontros e escolhas, despedidas e novos encontros, ebriedade de brilho e cegueira de luzes e um baloiçar-se nos ventos de verão que havia nas vestes de mulheres ardentes.
De vinho escuro e milhares de rosas sussura o tempo e corre para o sonho da noite.
(1899)
Rainer Maria Rilke in "A balada do amor e da morte do alféres Cristovão Rilke"

Ténue

Começar é sempre difícil, nunca sabemos como. Agora passado este tempo todo, olho para trás e vejo que nunca tinha começado, só continuava. Esperava-te e continuava à espera, mas nunca tinha começado a esperar-te. Hoje sento-me ao sol, cerro os olhos e vejo dentro de mim tudo de ti. As imagens são definidas, o teu contorno, o teu sorriso, a maneira como inclinavas a cabeça quando me olhavas, a sensação de calma que começava a alastrar quando me falavas, o teu cheiro. Lembro bem o teu cheiro, quando te sussurrava o mundo ao ouvido e tu encolhias os ombros num arrepio de contentamento. Mas a melhor recordação é sem dúvida a tua nuca, definida, lisa, perfeitamente quente e dourada. Era capaz de me perder na tua nuca, de ficar suspensa sem respirar para não te mexeres. Ficava horas a observar-te a nuca, se pudesse ficava assim o resto da vida, a ver a tua vida sem tu reparares, a avançar sobre ti como um manto de mim. Escaparia de bom grado num sopro leve e morno para a tua nuca, contando com o teu sorriso de resposta. Mas o bizarro é que não me lembro de ti, se te vir outra vez, passo como se de mais um estranho se tratasse. Mas se olhasse a tua nuca, então sim, saberia que és tu.

Passado

- Tens o Diabo no corpo!
- Não, tenho Demónios no coração...

(post de pós- auscultação de um tema musical de Pedro Abrunhosa)

Voltar

Ser sempre tudo de nada,
aguardar o vazio que não chega,
relâmpagos fumegantes
de sentimentos perdidos.

Buscas inúteis do encontrado,
olhar no escuro o silêncio de ti,
sentir o calor da tua ausência,
tocar o suave cabelo de mel.

Abraçar os beijos contrários,
ver o sorriso dos teus olhos,
ouvir a gargalhada da tua alma,
tocar a tua voz límpida e séria.

Fugir do esfalto que cresce,
saltar o caminho lá longe,
encontrar-te no meu mar.
Espero.

O MAR: dentro e ao redor

Mergulhei fundo, sempre dentro até onde fosse preciso. Fazia bolhas ao meu redor, talvez lembranças de um corpo em suor ou de um amor antigo a afogar-se na água que me dava sede. E eu bebia, com a língua sempre suja de uma saliva que não a minha. Mergulhei fundo, sempre dentro, talvez demasiado dentro até feridas fazer de embater nos corais laranja da cor de cabelos teus. Ousava mágoas não queridas, ter tudo e nada ter. Mergulho sempre de mãos vazias por assim vazias acabarem no desfecho do destino, sem expectativas para não iludir, só querer para não querer demais. E descobrir praias e ilhas locais desertos ou só contigo, mar fundo mar a dentro, sem ser preciso ter-te. Só querer-te e tu quereres o mesmo. Só compartilhar. Não o mar todo, talvez só um aquário. Nada mais. Se eu te bastar, tu me bastares e o amor... O amor, um abraço comum e afogamo-nos. Deixarmo-nos cair e abraçados, inertes como uma âncora que não é um querer ficar. Antes partir e ir mais longe, mais fundo no mar onde há peixes e criaturas nunca vistas. E há tantas bolinhas brancas dentro de mim como espuma que espera respirar, mas eu mergulho sempre fundo, sempre para o fundo, sempre depressa com a espuma a colar-se a mim como a saliva dos teus beijos, contigo sempre a fugires nadando sempre mais rápida e ondulante como sereia de água doce. Não queres ser real, és obra da ilusão que crias. Vou sempre mar dentro, não tenho medo. Não quero tudo, só um aquário. Querer pouco é sempre querer demais, e depois talvez perder. Um peixe passa por mim, tenho pequenas bolhinhas brancas a saírem do meu nariz, tenho falta de ar engraçado não se poder respirar debaixo de água. Estou tonto, isto de nos afogarmo-nos tem que se lhe diga. (1996)

Futurologia

Após uma manhã despertada com o bater na porta, só posso augurar um desfecho trágico para o dia de hoje. A isto se chama ter um conhecimento extremo de nós próprios. O mau feitio é algo inato em mim.

segunda-feira, agosto 04, 2003

Dança da Chuva

Quando somos impotentes para ajudar, fazemos o que podemos. Hoje dediquei-me a uma dança da chuva enquanto ia fazendo o jantar. Os culpados foram uma banda chamada Kaskade que fazem uma música que se enquadra naquilo a que alguns chamam de Happy House. E lá fui eu dançando, a música chama-se "Gonna Make It". É um bom prenúncio. E dançarei até que os pés me doam.

Summer

É bonito, quando penso nesta estação e num filme, lembro sempre o "Punch Drunk Love".
As cores ficaram gravadas na retina e os sons na alma.

Blogando

Vêm-se muito por aí variadissimos comentários ao facto de se fazer um blog e de se escrever. Não critico opiniões nem vou dissertar sobre verdades absolutas, nesta perspectiva não as tenho.
Mas não posso deixar de aqui opinar pelo simples facto que também eu escrevo num blog.
A sensação que fico das opiniões contrárias ao facto de se escrever num blog é que a qualidade bloguistica nacional deixa muito a desejar. Ora como podem ter esta opinão, se a própria condição de Blog implica a liberdade inerente a um serviço de rede livre (e logo aberta a um leque varidado em quantidade e qualidades relativas)? A explicação mais plausível que encontro para tal afirmação tem como base a pobreza de espirito e a mentalidade tacanha da maioria intelectual nacional. Como país pequeno que somos tendemos a um compadrio -que até acho compreensivel- mas que é invariavelmente escondido. Não aceitamos de bom grado o facto de tendencionalmente termos actitudes que poderão agradar a quem nos está mais próximo. Pensamos sempre que ao ajudarmos quem gostamos ou quem nos faz um favor, estamos embuídos de um espirito altruista e de bom samaritano. Não lidamos bem com o facto que se trata, verdade crua e nua, de tráfico de influência. Por isso quando leio nos jornais os nosso ilustres comentadores ameaçados por uma forma inconsequente de lidar com as noticias, como vem acontecendo agora com os blogs, estes personagens esquecem o essencial UM BLOG É UM DIÁRIO LIVRE QUE É DIRIGIDO COMO OS SEUS EDITORES BEM ENTENDEM. QUEM NÃO QUISER, NÃO LÊ.

Por?

Votamos ao esquecimento muito do que já vivemos e estamos sempre a ter saudades do que não sabemos

Back in business

Pois é estamos de volta, depois de um fim-de-semana atribulado, agora vive-se o tempo de calmia. Há que recuperar a saúde, pois não há estômago nem vesícula que aguente a sucessão de barbaridades cometidas. Nem corpinho que que se mexa com tão poucas horas de sono diárias...

sexta-feira, agosto 01, 2003

Restless

I find in higher inner
the reason for you
I surch deep to check
the throb heart
you give me.

Um Blog do Norte

O Blog vai ainda mais para Norte este fim de semana, toda a gente sabe que o Porto muda-se para Caminha em Agosto. Nós também não, mas estaremos lá perto. Voltamos para contar como foi. Talvez Domingo, quem sabe Segunda. Vou levar o meu caderninho, nunca se sabe. Fiquem bem.

Defeso II

A Espada continua a contratar reforços para a sua equipa, depois do EramosUmGajo, seguiu-se o NovoAutor (a quem ainda não tinhamos feito a apresentação, mas o seu primeiro post diz tudo). Ficam ainda alguns outros convites que se encontram suspensos (será que estão em férias?). Eu e a Brisa continuaremos a fazer as honras da casa mantendo o ritmo de actualização da Espada. Claro que Agosto é Agosto e poderemos estar intermitentes entre o verde de alguns olhos e o vermelhão de um ou outro escaldão solarengo. Ou, talvez pior, aquele amarelo perigoso das cervejolas!

O retrato

Era a rapariga mais feia da minha turma. Era o que todos diziam. E era mesmo. Só eu gostava dela.

Seguia-a rio abaixo nos finais de tarde quando fazia sol. Ela abria o seu caderno de folhas A3, procurava a primeira que estivesse em branco, com a mão esquerda segurava em três lápis e no bloco de folhas, e eu ficava a vê-la a desenhar no sossego da sua solidão. Gostava de vê-la a desenhar e a imaginar o que desenhava. Ficava sempre a mais de dez metros de distância dela, ninguém me podia ver. Muito menos a espiar a rapariga mais feia da minha turma.

Era a que desenhava melhor e mais rápido. Era o que todos diziam. Até mesmo os professores. Era isso que eu gostava nela.

Às vezes, via-a a olhar para mim. Mas bem que podia ser eu a olhar para ela. Eu dizia que era ela, sempre. Eu não podia estar a olhar para a rapariga mais feia da turma. Estava apaixonada por mim e eu estava a fazer-me de difícil. Era o que eu contava a todos. E era nisso que as pessoas acreditavam.

Era ela que estava apaixonada por mim, e muito. Era o que todos diziam. Mas não sei se era mesmo assim. Só eu sabia que não era. Eu que tinha começado essa fantasia.

Um dia fiz-me decidido a ir espreitar os desenhos que ela nunca mostrava a ninguém. A minha ânsia descontrolada obrigava-me a isso. Estava junto ao rio, dez metros atrás dela. Comecei a correr tão depressa como nunca outra vez hei de correr e arranquei-lhe o bloco das mãos. Ela ficou assustada mas não correu atrás de mim. Era gorda. Eu olhei o desenho e foi então que vi que no desenho era outro que eu conhecia, mas não eu.

Inconsequente

Se há caracteristica que sobressai no povo português é a inconsequência a que votamos todas as decisões e actitudes. E isto deixa-me triste. Voltarei mais tarde a este tema.

Hot on the city

Preparamos mais um dia de calor na cidade, as estradas desertas quase parecem um cenário de western . Tudo parece deambular nas ruas, até as pessoas andam num passo lunar. Os meus cães quase não se mexem, ficam na sombra à espera do fresco do entardecer.
Gosto destes dias assim, em que tudo parece visto de uma perspectiva telescópica.

Silêncio

Vácuo pleno de sentimento,
entradas para fora dos sentidos,
procuras incessantes de tempo.

Estrada com saída no precipício,
caminhos que levam a tudo,
sempre sem retorno.

Seguir a algazarra sem ruído,
gestos lânguidos de passagem,
retratos parados.

quinta-feira, julho 31, 2003

X do teu nome

Aqui tudo começa. Pergunto pelo teu nome. É importante, questionas tu. Como quando somos crianças que procuramos o vocábulo água para saciar a sede. É assim que tudo ganha sentido. Falámos de desejos, comentas tu e acabas a frase num suspenso que desenha no ar umas reticências, como os três sinais que te desenham o lábio superior. Falámos de um ponto inicial e de uma direcção, é quase geometria descritiva. A equação do meu nome, divertes-te. Podes ser a x, mas assim nunca seras a tal. É como na escrita, um ponto final.

Ora!

Sou invariavelmente questionada porque os meus dois cães usam coleiras com uma espécie de espinhos. E inevitavelmente olhada com surpresa pela resposta que dou - "É para não se matarem um ao outro". O reino animal ainda funciona nos seus condicionalismos.

Invidia

Eu sei que é um pecado capital, mas não posso deixar de me sentir assim só de pensar nas minhas irmãs em pleno retiro playero com direito a uma subida ao chiringuito para umas tapas e cervejinhas...Damn me.

Dias

Dias há em que acordamos dormentes, percorremos o dia num limbo sensorial e chegamos ao fim do dia como se chega ao fim de um sonho, estrebuchados.

quarta-feira, julho 30, 2003

Mujeres

Extrato de conversa telefónica
"Yo he tenido un novio portuguès ahi"
"Pero se me dicen que los argentinos son los más guapos de latino-américa?!?!"
"Si, y lo son, pero hay que variar..."

Whirlpool

Ontem não escrevi, hoje também pouco me apetece escrever. Sou de paixões, escrevo sempre à flor da pele ( eu sei que é mau ). Agora não quero escrever, estou como me disse uma vez um professor - "You've got a huge whirlpool inside your head". Fico assim às vezes. Mas logo passa.

terça-feira, julho 29, 2003

Elogios

Os elogios à ternura deviam ser feitos por actos, e por momentos, esquecidas as palavras.

A Mentira

Nada do que dizem sobre a mentira é verdade, mas, em verdade, há muitas mentiras

A Tristeza

A gente separa a raiz do caule, depois há sempre uma folha pendente na nossa imaginação. A vida tornou-se vegetal e os olhos parecem vidrar nas cores dos meus como uma alface recheada de vinagre. A tristeza calçou uma bota no seu pé descalço e eu pensei que ela pudesse partir. (1992)

Pensamento.Ultimo

O desespero do meu desejo caiu abruptamente sobre a tua boca. Comprometida como a minha.

Pensamento.Cinco

Estou a trabalhar para a verdade do meu sorriso.

Pensamento.Quatro

Já vivi no teu perfume...

Pensamento.Tres

Não estou sozinho; isolado. Não estou perdido; apenas um rumo indefinido.

Pensamento.Dois

A ignorância é a aurora da inocência.

Pensamento.Um

O homem ao vencer a Natureza derrotou-se a si próprio.

segunda-feira, julho 28, 2003

Ena, ena!!

Andam os blogs Aviz e a Voz em deambulações com meu nome!!

Cuidai nao mais

Cuidai não mais, senhores
nem me encontrareis ensimesmado
nem perdido e sofrido pelos amores
de uma moça vivente em vosso lado

Senhores, a vida tem-me em clausura
não pela roupa, nefasto atavio
nem pelo veneno da mordedura
de um amor de longo pavio

Pois que o calor da estação
me adormece os cinco sentidos
e quer eu queira quer não
ainda vivo dos licores bebidos

Velai senhores pelo meu ser distraido
que bom mundo a meu lado passa
e do coração mau sentimento possuído
por uma retribuição tão escassa

vivo na loucura do pensamento
fantasias oferecidas por catraias
qual paraíso qual tormento
pois o calor lhes levanta as saias

é neste desvario grande e infindo
que se me escorre o tempo sempre frugal
em busca, quiçá, de um sorriso lindo
para por em poesia um outro amor irreal

Suspenso

Olhos que vêem turvo
no respirar cadeado,
de tempos escorridos.

Vens empoeirado,
do sentido mexido
do peregrino.

Procuras em vão
os caminhos
de tempos perdidos.

Recolhes estrada
nuvem e fome,
partes sempre.

Vês dentro outro
que não vias,
encontras mais.

Segue o sulco,
tanto galgado,
de penas urdido,
e choro lavrado.

Remember yesterday?

Pois é, recordar os tempos passados resulta bem! Pena a crise "à lo Nietzche" que me deu cabo da festa...

sexta-feira, julho 25, 2003

Memorias - parte 1

Ainda falava hoje sobre este tema com a minha irmã, ela disse que não recordava quase nada da infância e eu pelo contrário recordo muito bem. Disse ela que o esquecer faz parte da vida, porque nos permite seguir em frente. Eu acho que o recordar nos ajuda a avançar. Agora, enquanto bebo este chá "Mate Leão", lembro com carinho as tardes estivais passadas com a minha avó em que ela nos preparava um delicioso refresco de chá "Mate Leão" antes de voltarmos para as diabruras no jardim... Acho que sem estas maravilhosas recordações os dias tristes custariam muito mais a passar.

As maos

As mãos não acreditam no sentir, como se a pele fosse um jogo do faz de conta. Tu dormes quieta ao meu lado, aonde a paz do meu coração te adormeceu. Há um sentir dormente que desperta na manhã e a isso não chamo amor. Tu não te importas, o teu sorriso diz quase tudo, mas o quente da tua mão que sossega o lábio ainda vibrante da palavra anterior, ainda diz mais. Gosto das mãos que falam; que pedem com a palma estendida qual báu aberto a espera da entrega do tesouro; das que oferecem com os dedos esticados como se nos procurassem; das que acariciam sem pressionar com a lentidão das coisas que não têm importância; das que se entrelaçam numa união mais forte que um cadeado de chave atirada ao vento. As tuas falam docemente pela manhã e os teus olhos são só uma paisagem. As mãos brincam, são crianças risonhas num parque infantil saltando de diversão em diversão; são exploradoras tenazes que desbravam a selva; são jardineiras de um jardim colorido como os teus olhos. As mãos beijam-se fazendo cornucópias e um bailado moderno no ar. Estão dadas, longamente oferecidas a troca de prazer. Nas tuas mãos um abraço final principia.

Elogios

Temos sempre uma actitude de embaraço quando nos fazem elogios (pelo menos eu nunca sei como reagir, normalmente desvio a conversa), mas elogios há que nos deixam perplexos, hoje disseram-me que tenho uns pés elegantes (!?!?) e foi como levar com um frappé de fim de jantar logo pela manhã.

quinta-feira, julho 24, 2003

Contos da Consciencia Moral (1989)

Ele, Homem, falava com ele próprio, num dialogo interior bastante agitado.
O Consciente protestava com o Subconsciente, por este lhe impelir para acções que ele jamais faria. A discussão continuava a azedar. O Consciente reclamava direitos contra o outro, por uma vez, lhe ter tentado tirar o lugar. O Subconsciente defendia-se, para depois sair num rápido contra- ataque:
- Se a tua mulher, a Consciência, fosse uma mulher a sério e se te obrigasse a fazeres jus ao teu nome, tu o Consciente, nunca te descontrolarias e nunca seguirias os conselhos do teu primo Inconsciente.
- O Consciente aceitou que se tinha deixado levar pelo Inconsciente, mas isso não dava direitos a ele, Subconsciente, de lhe passar por cima.
- A culpa do gajo se meter nos copos é tua. É teu dever que ele esteja ciente do que faz. Deixas o tipo andar à deriva!
O Consciente fez uma cara sisuda. O que levou a que o Homem se sentisse intrigado. O Consciente prosseguiu:
- Eu faço tudo para o gajo se libertar daqueles estados de espirito neuróticos. E tu, pões o gajo quase a suicidar-se e a odiar aquelas coisas que eu quero que ele ame.
O Subconsciente deixou-se levar sem piedade numa gargalhada estridente. O tipo-Homem sentiu uma forte dor de cabeça.
- O' meu anormal, não vês que é esse o meu papel: mostrar-lhe o lado invisível das coisas, o outro mundo para além do conhecimento. Senão o gajo ficava sempre na mesma. Eu trago novas visões ao tipo.
- Diria antes: alucinações tuas!
- Ai são minhas são, mas ele também as vê. E acredita nelas.
- É por isso que depois, fica aflito e perturbado. E eu é que tenho de falar com ele, amansa-lo. Acalma-lo, enfim!
- Oh pá, é esse o teu papel. Dar-lhe consciência das coisas reais deste mundinho. Já agora, como é que vai a tua mulher?
- Cada vez mais gorda, o tipo só tem feito disparates.
- A Consciência está a ficar pesada.
- Pois é, e ela que era tão linda, tão inocente. Mas não disfarces - lá voltou o Consciente - a culpa é só tua.
- És uma praga de todo o tamanho. Gostavas de passar a vida escondido, ali ao fundo esquecido? Eu não gosto; por isso, quando deixas que o tipo falhe lá apareço eu.
- Já pareces o meu primo. Cada vez que o gajo bebe uma cerveja ou whisky, o gajo aparece logo para lhe oferecer outro. Arregala os olhos que felicidade a dele.
- Quem o Inconsciente, não posso crer?!!
E riram-se os dois.
- Ooopss! - alertou o Consciente - o Homem vai dormir.
Fim do turno d' Hoje. Ah! Estava a precisar de descanso.
- Sorte a tua; agora começo eu. Tenho de por o gajo a sonhar. Bem, então adeus!
- Bons sonhos!!
- AH! AH! Ah! - riu-se efusivamente, o que fez com que o tipo ficasse ainda com mais dores de cabeça - Esta noite vão ser pesadelos. Prepara-te para acordares a meio-da-noite!

Pupazzi

Os politicos cada vez mais se querem parecer com as cópias do "Contra-Informação".

Escrita

Escrever é como maquilhar-se, pomos sempre o superficial para parecer mais bonito e esquecemos que com o excesso fica rídiculo.

Longe aqui

Vivam as festas! Neste fim de semana caseiro com direito a festa temática, reviveremos os anos oitenta. Engraçado como a maioria não encontra nenhum traço relevante da década a nível do guarda-roupa e eu penso que a moda actual é um rebuscar no bau dos oitenta!

Nada

O silêncio abafa
numa introspecção que implode.
Aninho a um canto,
na procura de protecção.

O circundante entra
pele adentro,
numa violência rubra
da maior sangria.

Desdém lacrimejante,
de paragens secas,
desertos primaveris,
de infinitos estéreis.

Passagem de tudo
encontro de nada.

Pormenores

No Reflexos de Azul há um post sobre os pormenores que se pode ler assim: "Todos os pormenores são sórdidos, por serem pormenores.", se o Frank Lloyd Wright dizia que "Deus está nos pormenores" quererá ele dizer que Deus é sordido? Ou afinal a lógica é o que a gente sabe?! De qualquer maneira eu aprecio os pormenores, acho mesmo que muita da beleza que vemos não raras vezes se esconde nos pormenores. E, voltando ao Roland Barthes, quando ele define o punctum como aquele detalhe fundamental que torna uma fotografia banal em algo especial, com a caracteristica na qual se transgride da mera transcrição da realidade para a arte, para a linguagem da subjectividade do olhar; fico com a sensação que negligenciar o pormenor e marcá-lo de sórdido é como roubar um azulejo de uma fachada porque afinal há lá muitos outros. Mas, se calhar, isto é só uma questão de pormenor. Ou seria brincadeira? É que noutro post pode-se ler também: "A prova que escrever e pensar são coisas distintas é que se pode escrever sem pensar.". Claro que isto são pormenores sórdidos no texto, porque o Blog até é um bom blog.