segunda-feira, novembro 03, 2003

Nuvens

Nunca tinha percebido que eras uma nuvem, nem mesmo quando o meu coração pingava, sim, um gotejar constante que fazia eco quando as gotas embatiam no chão de cristal. Dentro do meu corpo para me enternecer o sangue rejubilava. Nem mesmo depois da lua cheia, sim, quando nos deitamos na praia e o amargo sentir inundava-me na sua água. Só nessa altura reparei que os teus olhos choravam, sim, nunca tinha reparado no seu azul, no que do brilho estranho e visível era apenas o colorir vítreo e raiado do choro. Sim, tu fazias aquários nos teus olhos e de sorriso fingido sempre mentias com a boca pequena. A tua boca amada presa naquele arfar silencioso do amor. O teu silêncio destruía uma vida escondida; a tua, entregue a um acovardar, ao medo de um acabar algo nunca havido. E gelada ficava a promessa de uma união, como uma gota aprisionada no alto de uma nuvem. A tua vida com a minha, atada num torniquete de vontade que te infligia a medieval tortura de um dilacerar. Eu nunca descongelava a água aprisionada nos meus olhos mas passou a chover todos os dias.

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