terça-feira, novembro 25, 2003

Ao Porto de Ti.05

Faz frio. Vejo-te andar na rua cinco andares abaixo, aprecio o teu andar. Sou um voyeur que me aqueço no teu corpo... Duras pouco na paisagem mas eu segredo-te que ainda aqui estás.

Ao Porto de ti.04

Faz tempo que procuro sangue novo na lua mas nem todos os dias o sol nasce nas palavras. Raros são os dias em que a lua sonha mesmo que me agrade que o tempo corra fechado na ampulheta de vidro esfumado com segundas intenções perversas. O tempo arrasta-se na baba do caracol, o tempo não sabe nada do que está para trás; o passado é apenas grão posto a ser desfeito na mó do teu coração.

Ao Porto de Ti.03

Não tinha necessidade disto, podia chorar com a facilidade de uma lágrima só mas o coração esvai-se na fadiga das palavras e é só um sentir desencontrado que me prende às entrelinhas donde suspendem páginas cor de rosa de sonhos desfeitos.

segunda-feira, novembro 24, 2003

Ao Porto de ti. 02

Agarra-me devagar, eu vou cair. São os teus abraços que me empurram e as mãos lassas que me seguram? Estou enganado e não menos perdido, é a loucura que se esvai nos poros da alma. Sinto-me correr longe de mim, como a fuga às lágrimas que escondi nas núvens. O pé na poça, na poça escavada na estrada. A lama escorre, uns quantos grãos de terra sujos do medo. Quase sufoco no arfar do pré-choro. São os olhos que se escapam da sua orbita no ponto geocêntrico dado à fuga. Podes dizer. De qualquer maneira vou morrer.

Ao Porto de ti. 01

Já quase dentro dos teus olhos o pincel da noite fez a traço negro uma lágrima. São os teus olhos de fumo o espesso nevoeiro da minha alma, e o teu sorriso remexido na espuma alva a lama fofa do meu desespero. Ergue-se o dia por uma pitada de vento, a aragem desfaz a areia no teu corpo, esse molde imperfeito dos meus sonhos. Orgulho-me de te sentir na borda esquerda da vida, no convés torto aonde baloiça o mar, aonde cai o crepúsculo na corrida com as estrelas. Não faço desejos de ter ter, outra vez. A noite adormece sem sonhos.

Dantes

Lembro-me de quando eu era um bloguista mais assíduo e diariamente escrevia posts. Bem, as férias vieram e uma dose extra de trabalho e uma fase menos literária foram-me deixando menos activo aqui na Espada Relativa. Lembro-me de que quando nos ausentávamos logo diziámos que iriámos estar ausentes. Bem, esta semana vou estar ausente e impossibilitado de escrevinhar qualquer coisa. Pode ser que, depois desta avalanche de trabalho que culmina nesta semana, Dezembro traga uma nova aragem e uma nova assiduidade. Quem sabe.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Circo

Primeiro pensei que o amor era feito de uma luta transparente mas com o respirar confuso e sofrido do passar dos dias a aliança que unia as relações ficava baça e descorada, ou mesmo com a brancura de uma folha de papel sem palavras. Essa altura rasante do amor como uma planície de distâncias visíveis que só serviam para ocultar o querer e o amar; todo ele feito de conquista e engano e jogo, e de muito querer mas pouco querer de amor. A vida foi-se escorrendo entre o coador do tempo e filtrava-se entre as dores que não diluíam, nem facilmente as mais pequenas que se mantinham à tona nem as grandes que caiam como pedras que rolavam montanha abaixo. Era o precipício de uma zanga pelos amantes escarpada e, entre essas encostas profundas de iras sombrias, o vale fundia-se cada vez mais marcando linhas e linhas nessa curva de desnível. de afinidades já esquecidas de um amor falseado.

Mas no segundo que te conheci...

Foi como tornar pequenas todas as serras e altas montanhas, no alto desse estado de espírito tremendo de um frio feito de temor e imobilidade, de uma ânsia forte como uma âncora, aportava-me ao teu olhar doce e, encostado a esse porto, esse leito calmo da esperança do teu desejo o meu beijo imaginável desprendia-se do meu silêncio vogando num ar de olhares fugidios e quereres escondidos de encontro a uma boca imaginada, grande fofa e quente; um algodão doce numa feira de fantasia de um circo em nosso redor capaz de nos fazer rir, de nos fazer rir o risco de um trapézio sem dor nem rede. E nós, palhaços dessa covardia que é falar com um olhar e afastar da boca a palavra que faz do querer a verdade; a verdade do querer e de isso acontecer.

E mesmo eu fazendo-te sorrir do nosso espectáculo; eu, de lugar em lugar, eu a mostrar que usavas a máscara de tinta branca e mimo de graça, e lábios vermelhos de engano, e o nariz redondo e grande, e a cabeleira laranja do pôr do sol do final da nossa caminhada. Nessa esplanada de um ar livre que nos prendeu não soubemos retirar a máscara que nos fazia sorrir, ainda que incomodados por esse sorrir do querer e do desejo. Até os palhaços que nós éramos sem percebermos que o espectáculo feito de máscaras de ocultar em vez de falarem o desejo que se calava nos nossos olhos de amar, e ficava sem poder respirar escondido na máscara triste e sem magia da covardia.

quarta-feira, novembro 12, 2003

Iceberg (a S.)

Se eu tivesse uma alma forte que te içasse mostrava ao mundo o iceberg da tua beleza.

Magia

O mágico Luis de Matos propôs-se a adivinhar o resultado do jogo particular entre o FC Porto e o Barcelona para a inauguração do Estádio do Dragão. Não seria nada mágico que ele conseguisse adivinhar os resultados dos próximos jogos da Superliga.

terça-feira, novembro 04, 2003

Sombras

raras sombras sobrevoaram o meu quarto com tão vasta e intensa penumbra, deixando acre o paladar apagado no céu da boca. eu, já esquecido do trago húmido do teu último beijo com a minha mão estendida, os olhos abertos à torneira do choro. entretendo-me nesse espaço oco, percorrendo o fim da cama alugada onde só uma saudade porosa o poderia preencher e um grilo cantor trazia lembranças fantasmas com os seus delírios translúcidos. o calor doía só de respirar uma ausência
ainda que mais de um verão depois.

segunda-feira, novembro 03, 2003

Nuvens

Nunca tinha percebido que eras uma nuvem, nem mesmo quando o meu coração pingava, sim, um gotejar constante que fazia eco quando as gotas embatiam no chão de cristal. Dentro do meu corpo para me enternecer o sangue rejubilava. Nem mesmo depois da lua cheia, sim, quando nos deitamos na praia e o amargo sentir inundava-me na sua água. Só nessa altura reparei que os teus olhos choravam, sim, nunca tinha reparado no seu azul, no que do brilho estranho e visível era apenas o colorir vítreo e raiado do choro. Sim, tu fazias aquários nos teus olhos e de sorriso fingido sempre mentias com a boca pequena. A tua boca amada presa naquele arfar silencioso do amor. O teu silêncio destruía uma vida escondida; a tua, entregue a um acovardar, ao medo de um acabar algo nunca havido. E gelada ficava a promessa de uma união, como uma gota aprisionada no alto de uma nuvem. A tua vida com a minha, atada num torniquete de vontade que te infligia a medieval tortura de um dilacerar. Eu nunca descongelava a água aprisionada nos meus olhos mas passou a chover todos os dias.