sexta-feira, outubro 31, 2003

(e/ou) Parte II

O (e/ou) foi escrito entre 28.dezembro.94 e 09.fevereio.95, esta é a parte 2. A parte 1 fui publicando aos pedaços e deve estar nos arquivos da Espada. Quando o escrevi foi mais como um exercicio sobre o ritmo do texto, nada mais do que isso.

(e/ou) 2.12

depois fiquei triste, só isso de ficar triste, de dar mais um ponto à saudade; por um telefonema, não veio; por uma mensagem, via-a.
para dizer não, um ponto mais ao desejo de compartilhar, novamente.
a falta de não estar ou de estar contigo e, se estás onde estás, onde dizes que estás é dúvida minha que dissipo porque me esforço, porque assim quero acreditar. na verdade que dizes ser tua, pela confiança de...

(e/ou) 2.11

partida adiada, regresso precipitado. o que esperar? um porquê? razões? ou uma espera longa?
a espera. pouco tempo, pouco espaço. hipótese para a descoberta. difícil, difícil outra vez. quase como sempre: infrutífero!...
o futuro eu não digo ou não sei, e se soubesse talvez não diria: se me enganava, talvez!... creio nisso, penso nisso.
espera, adiar...constante.

(e/ou) 2.10

se eu for à tua terra não me deixes ver essa terra, como disseste às escuras. e eu, ainda contigo... mas mostra-te ou mostra a cidade, o que é teu nela que é na mesma: mostra-te. só a ti te quero ver. e à cidade. a que não queres mostrar-me, mostra-te: mostra-me. e eu olho. e gosto.

(e/ou) 2.09

corri.
ao teu sinal ou ao teu chamar, sem saber seres mesmo tu. e eras. tu. longe. dizes: longe. sim. tu.
ouço-te, isso quebra distâncias. sinto-te, por isso corri. sim. isso de saber que eras tu. ao telefone.
tu. e eu. ao telefone. sempre longe. na mesma, ainda: perto. a sentirmo-nos, ao telefone. sim.
tu. e eu

(e/ou) 2.08

num caso ou noutro, há uma ligação a uma terra que fica longe. ainda por cima isso. sim, isso de ficar longe.

quinta-feira, outubro 30, 2003

(e/ou) 2.07

partida.
sempre uma viagem e um prenúncio de saudade. pára, e recorda: as mãos puxadas e repuxadas por um fio invisível, agindo descontroladas, demedidas. e frenéticas. ao som da música como uma cobra enfeitiçada; a música bate estonteante, estou a vê-la no ritmo, perdida no ritmo, na vida, toda ela, no que se passa ao seu lado, no que se passa na sua vida. a vida na sua vida: carrossel como bebedeira. tonta: de dança, do álcool, do vício da vida.
há-de chegar, chegar a algum lado, talvez já não tão perdida. reencontrada. ou ainda mais tonta, mais ébria do vício de viver, de fazer o querer, sem pensar, sem sentir. a querer,sem pensar, sem parar. e gira e rodopia, sempre a partir, sempre a querer chegar ou sem nunca parar.

quarta-feira, outubro 29, 2003

(e/ou) 2.06

horrível este carnaval de gente desmascarada a intriguista, a rugirem snobes e petulantes o tiro à ponta de espingarda de especulações de merda. justiça?! façam-na, mas ouçam antes de condenarem, saibam bem do que falam ou calem.
horrível carnaval de gente mascarada, mostrando entre dentes a saliva perfumada a intriga, e olhares trancados em casas alheias e sempre muita renúncia a enfrentar a palavra séria, e a que doi, e a que importa, e... ... talvez já sem palavras.

(e/ou) 2.05

atrapalhou-se.

desajeitado, nervoso a fazer a declaração. estava incapaz de lhe dizer sim. sim: respondeu. apenas e afinal a uma banal pergunta. Ainda com os olhos pousados sobre os dela, sem fazer muita força para não soltar um sorriso. um sorriso: gostou da ideia. sim. consentiu agora sentar-se. melhor assim. sorriu. tens graça a sorrir: disse ela. corou, claro.

atrapalhou-se.

ia segurar-lhe na mão mas o dedo indicador traiu-o numa carícia. ela abriu os olhos. os dele tombaram. ela, sempre com imenso carinho, levantou-lhe o rosto pelo queixo com a mão espalmada de quem se entrega. atrapalharam-se. os lábios mereciam um beijo, nem sequer um sorriso. havia gente em volta, imensa gente. olharam-se e segredaram: sim!... é a melhor saída. depois, duas direcções ou não...

segunda-feira, outubro 27, 2003

(e/ou) 2.04

um dedo um dedo encurralado noutro dedo. maneiras bem mais fáceis de morrer, há outras, muitas outras. início onde tudo começa.

foi assim: disse. como se houvesse um fim. havido: perguntou.
depois disse que eu não queria saber. que as perguntas a atrapalhavam e que já nada podia saber. ainda disse: reticências.

um dedo um dedo encurralado numa língua. era talvez mau, assim pior: pensou.
mas há outras coisas, muitas outras coisas, claro. como sorrir feliz

e depois disse que os corpos se misturavam e que de mais nada queriam saber. que se fechavam assim, sozinhos: concluiu. e que há sempre mais do que uma conclusão para todas as coisas: o isto e o aquilo, ou como o toque de um dedo pode magoar: disse.

Cegueira imoral

Agora que as prostitutas já podem pagar impostos uma questão permanece por desvendar. O recibo vem com o valor descontado do que remanesce da extorsão do respectivo chulo, ou as prostitutas, que ainda não podem ser legalizadas por uma cegueira mais imoral do que a suposta imoralidade de vender o corpo, para além de terem de entregar o dizimo aos extorcionários dos chulos ainda vão ter de pagar imposto sobre um valor que não recebem? E os chulos também podem pagar impostos? É que as prostitutas que persistimos em manter ilegais nem credibilidade têm para acusar os respectivos chulos extorcionários porque se estão a auto-denunciar de uma infracção bem menos grave do que a gravidade miserável de que são acometidas. Diz-se que a justiça deve ser cega, e eu sublinho, mas desta cegueira da sociedade somos todos culpados por mantermos o silêncio. Como não temos coragem para mudar a situação, nós, a sociedade "moral" preferimos ignorar. O melhor é não mexer muito no que já sedimentou e a legislação um fóssil muito parecido com um câncer.

domingo, outubro 26, 2003

(e/ou) 2.03

acordei a precisar, ou talvez não, e volto a adormecer. apareces no sonho já velha, eu incapaz de esperar, ou esperar tão pouco de ti. foges à procura de um precipício talvez uma loucura mais,
ou nada que se pareça com isso e ainda, ou ainda assim, emerges da emergência desse sentir. possesso. que é querer, de venda nos olhos como se tudo fosse possível, ou só bater em tudo
para chegar a nada. sonho aborrecido e acordei.

(e/ou) 2.02

hei-de querer sentir-me roubado nem que somente aquele beijo que pediste e não dei. só por pensar, ou achar, que o podias ter feito, pedido, ou noutra altura ou doutra forma. e talvez consiga
menos roubado sentir-me, roubado mesmo a sério. sentido como dor e perda, na mesma dor, na mesma perda. por um porquê que não posso contar, ou não devo?

(e/ou) 2.01

estou à espera, a vida repete-se. não é isso que quero. um pé cá outro lá:
já disseste ou já partiste e deixarás onde o coração?
lá ou cá? receio de partir, receio de ficar. o meu e o teu. e/ou vice-versa.
(depois pensei noutra coisa que não tinha nada a haver mas era outra, e só por isso, um alívio; que viver de pensar na mesma estúpida equação ? irresolúvel por sinal ? era por si só, um resultado positivo)
estou à espera a história repete-se, repetem-se os finais ou a história muda? o tempo cura mas também estraga; a ausência sossega mas também adormece e tu preocupas-te ou julgas que eu não?

quarta-feira, outubro 08, 2003

O Sol e' escuro

De repente é um sol, que se põe dentro da garganta, um eco que se esfuma num quarto muito escuro. É a palavra finita que esbarra numa palavra de negro, de luto. É a corda da garganta rompida no ultimo grito, na ultima dor. Os violinos tocam no telhado feito céu de tempestade, são sons perdidos no dedilhado de um concerto insone. É a noite que perdura na ausência do teu sussurro de pele. É o choro da criança que na fome de meio da noite nos desperta. Não nos pomos no lugar um do outro. Nunca. Jamais trocamos de lugares. A noite é de novo o local de chegada e o dia a partida. Somos escuros. Queremos ser negros e vazios. E somos. E somos só a pele, e somos o corpo vazio. Somos a voz indizível, o sonho inatingível. Vivemos paredes meias com o perigo de desmoronar um castelo de cartas de fantasias. É tão giro, acaba-se tudo num pequeno sopro. De repente somos só isso, um sol com interruptor.

Ausência

Há alturas em que é o silêncio que vem povoar as palavras.

segunda-feira, outubro 06, 2003

As coisas boas estragam.. as ma's tambem

Uma vez ofereci-lhe um livro de poesia. Gosto de dar palavras. Muito mais do que falar. Às vezes, não sabemos o que querem dizer certas palavras, mas elas soam bem. É um requinte da alma. Outra vez ofereci-lhe um romance. O nosso. A casa dela estava cheia das minhas palavras. As palavras nunca perdem o valor. Às vezes, só se alteram na linha contínua do tempo. Adquirem outro significado. Estás-me sempre a mimar com as palavras, disse-me ela. É, as coisas boas estragam-te... como a uma criança mimada. Deixa estar... as más também!

A rapariga dos olhares

Sexta à noite. Sábado à noite. Tanto dá. Quinta-feira. Um dia qualquer à noite. Nós sempre no mesmo bar. Ela a dançar, a mostrar o seu sorriso e o seu jeito de menina. Eu de copo na mão, para fazer outra coisa que não somente estar a olhar para ela. Ela sempre a dançar, a mover o corpo numa dança a dois com um parceiro invisível. A provocação da dança. Cobre-me de olhares o tempo todo, como se eu tivesse frio. Enche-me de carinho com essa caricia que é o olhar. Mas sempre à distância. Quando passa rente a mim desvia sempre o olhar. Faz de conta que não me conhece. Que não sabe o meu nome que eu próprio lhe disse. Que ela própria repetiu com aquela boca pequena para fingir que o fixava. Mas parece que não me conhece, que só me conhece quando me cobre de olhares para quebrar uma distância que afinal não quer encurtar.

quarta-feira, outubro 01, 2003

O Canto Escuro

Porque estão eles com as faces fechadas um no outro? E sem sorrisos, só com olhares tristes? Estão a fugir? De quê? De quem? Porque estão eles no canto escuro? Terão medo da luz? Ou medo de se olharem olhos nos olhos? E eu, porque os observo? Será que as suas bocas que se tocam, derretem-se e aleijam-se, da dor? do prazer? Será que as suas mãos quando se entrelaçam, transportam mais do que caricias? Comunicarão? E eu porque os observo? Talvez o canto escuro seja um abrigo, de quê? de quem? Da luz? Não, se fosse pela luz, porque fechariam os olhos quando se beijam? Talvez o canto escuro seja a sua solidão? Quererão privacidade? E eu, porque os observo?