segunda-feira, setembro 08, 2003

A rapariga e o desassossego

Eu também nunca soube o que era estar parado. Andava sempre a correr sobre florestas encantadas. A pensar em coisas que não existem. A viver momentos com pessoas que apenas eram fantasias minhas. Nunca tive coragem para bater à porta de ninguém. Sei o que dói a pessoa não estar, ou não nos querer receber. Essa dor já passou.
Isto para falar dela.
Andava preenchida com vontade de mudar, por isso bateu à minha porta. Eu abri, não somente a porta de casa mas todas as portas que servissem para alguma coisa na minha vida e mesmo as que não serviam para nada, as que eram apenas empecilhos. Eu tinha sempre muito mais medo do que vontade. Embora existisse sempre muita vontade a pulsar no interior. Haviam gestos ou olhares que me faziam acreditar no desejo dela. O seu corpo dançando sobre o meu fazia-me acreditar no desejo dela. O meu corpo no corpo dela era prova disso, dizia-me ela. Andava em desassossego o dia todo sempre a querer mudar o rumo da minha vida. Da vida dela na minha vida. Mas tê-la por ali, ainda que andando à volta como uma borboleta, era um conforto. Tão reconfortante como um abraço de pele. Da pele branca dela. Muita branca. A vida andava muito cheia, eu sempre a pensar nela, a resolver os problemas que ela arranjava à minha, e os momentos a dois que pareciam sempre poucos. Viver parecia um frémito. E era. E era inquietante, mas por estúpido que possa parecer, deixava-me sossegado. Só ela é que não sossegava. Queria o que não queria como se isso estivesse certo. Era uma pessoa nova a cada segundo que dobrava o tempo nos ponteiros. Nunca soube se isso era bom. Talvez por momentos demasiado curtos tivesse acreditado que sim, que era bom. Tentava de tudo para por a vida direita mas saia-lhe tudo muito torto, diria mesmo que demasiado torto. Houve um dia que se foi embora como uma tempestade, fez muito barulho, gesticulou muito, culpou-me de todos os erros que ela própria cometeu, chegou mesmo a dizer que eu era culpado de um dia ela se ter apaixonado por mim. Quando saiu de minha casa, apertou o meu coração com a selvajaria de quem não tem pena, como um furacão que passa insensível e destroi tudo até sussurrar numa acalmia. Que sossego!

Sem comentários: