quinta-feira, setembro 04, 2003

A rapariga da praia

Ia para casa sem destino a pensar no sentido da vida. Passava muitas noites em claro. Dormia pouco por causa da ânsia de querer viver muito e morrer depressa. Uma noite sob uma lua indefinida cima passeou na praia. Deu a mão a uma rapariga. Andaram de onda em onda gladiando-se com uma maré que os empurrava para a praia. Ele tentava salvar-se do naufrágio que se tornara a sua vida. A rapariga parecia uma âncora, pensou ele. Tirara-lhe o coração da deriva louca e sem rumo de um mar de sentimentos confusos e errantes. Descansaram os dois um pouco, sentados sobre uma rocha, abraçados os dois com os olhos postos no infinito da penumbra da noite frente ao mar. Ele olhou por algum tempo o rosto calmo dela. Era mais bonita do que um convite, do que a porta de um quarto aberta. Falaram de carinho e de outras tentações, mas nunca de amor. Se fizeram amor era porque não arranjaram outra maneira de o dizer. Mas não importava ser assim. Nunca quiseram saber o que faziam quando não estavam um com o outro. Eram bons os momentos que conseguiam estar juntos e isso, era por si só, um exagero. Uma felicidade demasiado grande. Podiam viver juntos se quisessem. Tinham um quarto alugado onde tantas vezes se encontravam. Nunca nenhum deles teve essa intenção. Não viviam um com um outro, mas não podiam viver um sem o outro. Estava certo ser assim, pensava ele. Dizia que ela o tinha sarado de muitas dores, que não tinha sido preciso salvar-se no corpo de muitas mulheres. Que tinha bastado o dela. Às vezes sorria quando pensava nela. Nunca pensava porquê que sorria, mas também não o tinha de fazer. Só queria saber se ela estava bem, mas jamais lhe perguntou. Sabia que quando estavam juntos estavam bem os dois. Uma sintonia que o fazia vibrar como a corda agitada de uma guitarra. Isso era já de si um bom consolo. Nunca pensou o que ela era no seu coração, agradava-lhe apenas pensar que ela estava lá sossegada como estavam muitas outras coisas. A importância de isso ser assim não fazia sentido, mas ele deixara-se de se importar com a razão das coisas, com os motivos complexos que a natureza lhes escondia. Bastava-lhe essa caricia que era tê-la no coração.

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