Gestual... ou apenas um circulo? Uma união cabal como prova ou apenas um dedo giratório? E uma porta muito pesada que de mim nada deixa passar. Dou um beijo baço de névoa na minha sauna ardente. Como eu provo ser em ti um bocado de solidão. Podes. Renega-me. Se assim te der vontade, afasta-me para tão longe de ti. Engano-me... não és tu que não me queres, sou eu que não penso em ti. É tão obliqua esta verdade que de um ponto tão baixo a uma distancia tão longa tudo se evapora numa única linha: a linha do meu espelho. Olho-me, tão passiva, tão ingrata, tão sem nexo... e tenho medo; dos meus olhos; do meu cabelo; da minha cor branca de quase cadáver; dos meus lábios que pinto de um vermelho infernal que dizem tanta cruel realidade, que beijam pior por piedade, que quando sem cor têm som afinal. E neste espelho de imagens invasoras, evasivas, senhoriais, evapora-se um pouco de álcool, um pouco de éter, de sacrifício, de trauma, de redundância abalada. Falo por mim que sou parva, que sou um farrapo podre, uma escatologia coberta de sensualidade. Que posso fazer quanto ao meu desígnio? Destilar-me em água benta? Sucumbir perante ele? Ajoelhar-me como se fosse um santo... ele?!... e eu?... Serei assim tão rosa, tão carmim? Tão flor como quero pensar que sim? Ou serei diabo arrogante, enorme e selvagem senhor errante? Ou apenas um naco carnudo de tentação? Só consigo olhar-me no espelho e ver a minha pele lívida: morta. E ver os meus lábios secos: mortos. E ver os meus olhos venenosos: mortos. Não posso mais olhar-me, ver-me como não quero: morta. Ou sonhar e apenas sofrer; por sonhar e por sofrer, em sonhos, em sofrimentos que me delapidam constantemente. Não! Foge para longe. Falo para ti triste imagem, falo para ti triste miragem, falo para ti porque triste. Quando mais me apetece calar e quanto mais me apetece calar, é quando mais me acresce falar. Já não é suportável mais o meu rosto enegrecido pelas tuas mãos cobertas de negro carvão, desnudas de nojo e perdão. Já me é insuportável, um ou dois ou até três dedos, quatro ou cinco ou até uma mão. Cinco mais cinco ou até duas mãos cravadas em meu marmóreo rosto, tão negro, tão ameaçado pelo teu amor, tão belo, tão estragado pela tua dor. É ainda e só esta cor do teu carvão que nos une; ligação tão ténue mas tão irresistível como sonhar i uma lembrança uma nesga doce de um passado. Mas não consinto que te toque, que me toques ou que me abraces e que me beijes ou que me toques nos lábios e que eu sinta um prazer tão grande que logo fujo por medo por... por não saber que medo é esse, por não saber que é esse o medo; o medo de ter medo, o medo de ter prazer ou, e bem possível, o prazer de ter medo e continuar a ter medo do prazer. Já não suporto mais esta confusão, este desenho que em minha mão detenho feito por ti que desfaz-me a mim. E foi com as mãos sujas de grafite, de pó negro e feio que me agarraste a cara com uma raiva que eu julguei ser impossível e me apertaste... sentindo, sofrendo, suando... sem ser só sofrer ou só sentir ou só suar; ainda que um pouco de choro, ainda que um pouco de homem, ainda que um pouco meigo, pintaste também as tuas mãos só que no meu rosto tenho carvão, e num rosto é tão mau, tão mau, como mau, como má só eu sei ser, embora dependa tanto de todos, até de ti....... porque te ofendo?..... é sobretudo de ti, sobre todas as outras coisas, as outras insignificantes coisas, é ofensa minha negar-te, negar a minha admiração por ti, negar a tua superioridade sobre mim, negar tudo até negar-me a mim! Cada vez mais é impossível este meu rosto de carvão, tão feio, tão bruto, tão cru, tão rude, tão parvo, tão carvão. É a tua admiração que impede a minha adoração. E quando um de nós dois morrer vai ser um de nós dois que vai sofrer; sofrer por nós dois nunca sermos um. Eu sei, isso, eu sei, a fuga; tu perguntas, também tu imcompreendes a fuga. Porque fujo? Porque fogem os animais assustados? As bestas, os selvagens, os sanguinários e os rebeldes? Os desvairados e os sem-casa, os que não respeitam tudo e os que sabem tão pouco de nada? É tanto calor tanta sauna, tanta névoa, tanta nuvem, tanta dúvida, tanta pergunta, tanto calor, tanta nuvem... que não vejo nem compreendo o meu espelho, o meu rosto que já se apaga a visão que eu nunca também quis ver. E é já só branco, é tanto branco, tanto nada é apenas um rosto que alguém pensa ser eu como eu como assim por assim, como coragem desvairada, como dragão a vomitar fogo.
É já só raiva, é já só falta de coragem, é já só e nada, que quase já não sobra nem um pouco
um pouco de tempo para a tua indiferença. (1990)
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