Mergulhei fundo, sempre dentro até onde fosse preciso. Fazia bolhas ao meu redor, talvez lembranças de um corpo em suor ou de um amor antigo a afogar-se na água que me dava sede. E eu bebia, com a língua sempre suja de uma saliva que não a minha. Mergulhei fundo, sempre dentro, talvez demasiado dentro até feridas fazer de embater nos corais laranja da cor de cabelos teus. Ousava mágoas não queridas, ter tudo e nada ter. Mergulho sempre de mãos vazias por assim vazias acabarem no desfecho do destino, sem expectativas para não iludir, só querer para não querer demais. E descobrir praias e ilhas locais desertos ou só contigo, mar fundo mar a dentro, sem ser preciso ter-te. Só querer-te e tu quereres o mesmo. Só compartilhar. Não o mar todo, talvez só um aquário. Nada mais. Se eu te bastar, tu me bastares e o amor... O amor, um abraço comum e afogamo-nos. Deixarmo-nos cair e abraçados, inertes como uma âncora que não é um querer ficar. Antes partir e ir mais longe, mais fundo no mar onde há peixes e criaturas nunca vistas. E há tantas bolinhas brancas dentro de mim como espuma que espera respirar, mas eu mergulho sempre fundo, sempre para o fundo, sempre depressa com a espuma a colar-se a mim como a saliva dos teus beijos, contigo sempre a fugires nadando sempre mais rápida e ondulante como sereia de água doce. Não queres ser real, és obra da ilusão que crias. Vou sempre mar dentro, não tenho medo. Não quero tudo, só um aquário. Querer pouco é sempre querer demais, e depois talvez perder. Um peixe passa por mim, tenho pequenas bolhinhas brancas a saírem do meu nariz, tenho falta de ar engraçado não se poder respirar debaixo de água. Estou tonto, isto de nos afogarmo-nos tem que se lhe diga. (1996)
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