terça-feira, abril 22, 2003

::O homem do outro lado da rua
O homem do outro lado da rua, não conhece o alfabeto. Não sabe colar as letras e formar uma palavra. O homem do outro lado da rua não sabe nada da cultura, o seu sonho não é esse. Não é querer saber. Nem tão pouco se importa. A sua vida é estreita. Tem pouco por onde se alargar. No entanto, sabe sonhar. Sabe porque já o experimentou. O homem do outro lado da rua tem sempre um sorriso nos lábios. Ainda não experimentou a revolta. Ainda não experimentou a raiva. Nunca soube o que foi perder. A vida nunca teve nada para lhe tirar. O seu mundo é pobre. E tão rico. O seu mundo, o mundo do homem do outro lado da vida, é só experiência. Experiência sem experiência da razão. Tudo para ele tem uma essência divina, metafísica. O homem do outro lado da rua nunca experimentou a raiva. Tudo o que na sua vida foi mau, foi-o apenas por ser. Nunca questionou esse tributo. Aceitou-o sempre como um ser inferior. Ele tem a força invisível da cegueira. Da cegueira de não saber colar as letras umas às outras. O poder enorme de não se interrogar.

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