::Horizonte
Se conseguirmos dobrar o horizonte serei teu.
Os teus lábios ficam vermelhos e brilhantes depois de um beijo. Os teus olhos ainda mais limpidos com o incendiar da manhã. O meu corpo é uma cama onde te vieste deitar. Não me peças para voltar. O silêncio fica, o silêncio é de ouro, e guardamos nos olhos as palavras que incomodam. Desenho cornucópias no teu corpo com a caneta dos dedos e pinceladas cintilantes de saliva são assinaturas. A arte efémera de te dar prazer. Não me peças, eu não vou voltar. O nascer do dia anunciou um qualquer fim que tu quiseste evitar prendendo a tua mão na minha, e depois o teu corpo enrolado no meu corpo. O corpo dentro do corpo como se não houvesse fuga, como se fosse uma morada aonde fosse parar a minha correspondênca. Mas eu não tenho rumo, sou a apenas a deriva que me leva, a liberdade do vento que tudo percorre e em nada poisa. Eu não vou voltar, nunca volto. Só te prometi os beijos que te dei. Não sou de promessas, mas estava tão fácil de cumprir, e eu tão desejoso de cumprir. Beijo as lágrimas que choras. Sabes de tudo. Vês nos meus olhos escuros o texto que a boca nunca irá dizer. Não faço um único gesto para fugir mas sabes que eu não estou lá. O meu corpo ainda quente de encontro ao teu corpo ainda quente. Não fales. Não perguntes. As palavras atrapalham, as palavras estragam, corroiem a beleza das coisas. Se tu falares a tua beleza transforma-se numa aquarela de lágrimas no quadro dos teus olhos. Fecho os olhos sem perceber que quero guardar uma imagem da tua beleza inquieta. É essa a recordação que quero que fique. O meu coração enche-se de ansiedade e sobressaltos, pressinto uma palavra tua que irromperá como um grito que assustara as aves que se porão a voar, os cães irrequietos latirão na rua e a chuva virá de repente numa nuvem negra que se formou no céu da tua boca. Não te quero dizer que não vou voltar. A tua boca mexe-se e eu calo-a no húmido do beijo, no pegajoso da saliva como se quisesse prender as palavras no oco da boca. Acabou. Acabou o beijo e os teu olhos fixam os meus, estão vazios de texto, ou uma linguagem estrangeira que ainda não me foi dada a aprender. A tua mão ainda quente percorre o meu rosto ainda quente e um resto de fogo ainda fica na face depois da tua mão se esconder num sitio bem distante do meu corpo, para lá do fio do horizonte que guarda as palavras que nunca se fizeram ouvir.
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