domingo, abril 06, 2003

> Netvoyeur

Há a vontade de estarmos perto. Talvez juntos. A nossa relação presa por um fio. Um condutor de informação. Sai-nos cara esta relação. Cara nos dois sentidos. Como uma moeda aldrabada. Andamos em enganos, a dar tilt como numa máquina de flippers. Vagueio por esse fio que nos une. Que une os trinta e tal milhões de pessoas. Há pessoas a trabalhar, pessoas a divertirem-se, pessoas com pessoas, a conversarem. Às vezes, não falo… sou um intruso. Sou omnipresente. Estou em vários sítios ao mesmo tempo. Numa sala que sabes ser só nossa. E noutras à tua espera. Como num consultório médico. A ouvir por detrás da porta. Tantas vezes. A nós ninguém nos ouve. Penso eu. Mas também pode haver alguém por detrás da porta. Não há intimidade. Não há problema… continuamos a ser intímos um com o outro. Tu não apareces. Demoras-te. Vejo revistas onde as imagens se descobrem muito devagar como num strip-tease bem feito. Às vezes dá gosto olhar. Nessa altura até as guardo para mim, as imagens. Puxo-as como pastilhas elásticas de um computador para o outro. Para o meu. Há imagens de tudo que é gente conhecida. Pessoas que nunca lá encontramos. Na verdade, aqui não existem pessoas, em carne e osso… e alma também, quero eu dizer: personalidade. São só electricidade. Números que não fazem sentido. Como tu… às vezes. Recebo mensagens privadas. Tão privadas que não as entendo. O que vale é o meu caixote do lixo. Só come electricidade. Apaga a corrente. Tudo aqui é perto. Dizem. Mas temos sempre a noção de ser tudo muito lento. É uma auto-estrada cheia de engarrafamentos e de sinais proibidos quando menos se espera. Consigo fazer um amigo ao fim de algum tempo de conversa. Os amigos de elctricidade são como a trovoada, fazem um clarão repentino no meio dos outros, um estrondo súbito e depois não se passa mais nada… ou um adeus para não ser mal-educado. ‘Ene’ Etiquetas. Fica talvez um nome, um número. Afinal é disso que são feitos. Continuo a espiar conversas de outros, a ver conversas que não deveria ver, que desfazem qualquer intimidade. Até a nossa. Não apareces. Não faz mal… nunca tive um telescópio tão potente.

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