quinta-feira, maio 15, 2003

A cor da alma
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Agarrei um fio de prata de um raio de luar e fiz com ele um gancho brilhante para te prender o cabelo que se soltava no vento da noite. A chuva de Novembro gotejava umas orquídeas amarelas que te pintavam as sobrancelhas. Sempre me entreguei aos amores mais com a alma do que com o corpo, ao contrário da expressão popular. É uma postura diferente, daquelas que nem vem no Kamasutra. Estudei a arte de amar desde Ovídio até Stendhal e ainda folheei alguns contemporâneos. De nada serve o saber sem a consumação do sentir. Dei-te a mão sob um pretexto falso, numa rua que descia até ao mar numa calçada de paralelepípedos escorregadios, com tufos de musgo verde aonde se acumulava o orvalho da noite. Há qualquer coisa no toque da pele quase intangível. Uma linguagem que eu tento descodificar, uma química de compatibilidade. Há qualquer coisa que vibra no corpo quando tocamos a primeira vez em alguém. É preciso estar atento, parar todos os sentido e ficar à escuta com a concentração que as grandes coisas necessitam. A minha mão percorreu a tua como uma leitura sensorial e a vibração da tua pele sob a minha traçou uma paisagem azul de compatibilidade. Não me perguntes o que é isso. Acontece ser assim. A alma conta-nos histórias se estivermos dispostos a ouvi-la. A minha alma de pistachio desejosa de te conhecer gosta da tua paisagem azul que o teu contacto quente desenha na pele como uma pirogravura faz na madeira ressequida. Não me perguntes porque que a minha alma é verde e a tua azul. Não percebo muito de almas e isto de lhe dar cores é uma ilusão, até posso sofrer de um daltonismo que pinta mal as almas que sinto. No fim da rua há um bar sobranceiro à praia para onde nos dirigimos com o vagar de quem já tem tudo dito. O teu cabelo molhado pingava umas gotas de chuva fotogénicas na tua face fria. A minha mão na pele do teu rosto apagou a chuva de Novembro com o meu toque quente. És tão bonita como a alma.

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