domingo, julho 06, 2003

A rapariga da casa com piscina

Era sempre já muito tarde, mesmo no final da noite, quando fugias de minha casa. Fazia já um sol grande e imenso sobre as ruas quando eu acendia a luz, corria e abria os estores para o ver. Tu vestias-te sempre trigueira, sorrindo-me com a malícia do teu sorriso. Esgueiravas-te pelo jardim de rosas de minha casa que ladeava a piscina azul com o céu espelhado nas suas pequenas ondas, e conseguias que os meus pais não te vissem sob nenhum pretexto, o que era o que tu querias. Em minha casa, à porta de minha casa quantas vezes por lá aparecias. Os teus pais não sabiam, os teus amigos não imaginavam, quase sempre surpreendias-me. Tocavas à campainha mesmo que tivesses a chave na mão. A casa era tua, até eu era teu, tu sempre a fugir de ti mesma, da vida que tinhas mesmo que fosse tudo como querias. Entravas em minha casa, no meu quarto, despias-te e deitavas-te comigo para te aqueceres mesmo que fosse um dia bom de verão. Dizias que só comigo, e eu fingia acreditar nisso que tu querias. Nunca ninguém te via, esgueirando-te feito ladra; tu que roubaste o meu sossego, a calma dos meus dias mas ao menos a minha vida vazia. Enchias o meu quarto com o teu perfume agradável, com o cheiro quente da tua pele, mas nunca deixavas mais nada, até parecias arrumada e cuidada. Por vezes, deixavas um cabelo ou outro, tão loiro e longo que era impossível ser meu que eu coleccionava num envelope com o teu nome, desenhado com a tua própria letra. Saías de minha casa quando já te julgavam na tua e nunca a pensarem que estavas comigo, e eu contigo, e tu a pensares em sei lá quem, ou mesmo em mim. Fugias sempre tarde da minha casa, no final da noite, até que um dia demoras-te o resto da vida para voltares.

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