Ia tomar café como fazia todos os dias, saia de casa automáticamente; pegar nas chaves de casa e colocar no bolso, óculos escuros na cabeça, um jeito ao cabelo, fechar a porta suavemente, chamar o elevador e aguardar olhando para a luzinha encarnada indicativa do real funcionamento do engenho. Dar o passo, sempre estranho, para dentro da caixa (as estórias que sempre ouvira de portas que se abrem no vazio, faziam que aquele fosse um passo arriscado e um acto de coragem) e deixar-se levar em pensamentos estranhos (achava que fazia parte da situação, a caixa do elevador tinha a condição de espaço diferente e convidativo a explorações dementes). Saiu da porta do prédio com o usual "Bom dia" ao porteiro. Seguiu para o café e quando chegou sentou-se na sua mesa, estava sempre limpa e com o cinzeiro à sua espera.
Sorriu para o empregado do café, pediu o jornal do dia para se lembrar de que existia algo mais à sua volta, antes de pegar no jornal sentia-se egoísticamente o ponto de partida para o mundo. Depois de ler achava sempre que era um pequeno ponto do nada. Sabia-lhe bem ser colocada assim na perspectiva global, pertencer a algo.
Nunca trocava mais do que duas ou três palavras durante as suas saídas. Levantava-se e dirigia-se de novo para o prédio. Entrava enquanto acenava gentilmente ao proteiro (parecia-lhe indelicado dizer bom dia num espaço temporal tão reduzido, optara à muito pelo trajeito de cabeça) e no hall decidia se ia pelas escadas ou se esperaria pelo elevador. Uma vez chegado ao apartamento, novo ritual inverso, colocar as chaves no recipiente, os óculos na caixa. Dirigia-se depois para a sala e no sofá deleitava-se com mais uma passagem do dia. O seu dia a dia consistia na saída para o café, o resto do dia era passado em deambulações hipotéticas sobre o que poderia acontecer de diferente no trajecto. Mais não esperava da vida.
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