sexta-feira, julho 18, 2003

Tres horas da manha e uma estrada deserta

Abracei-me a ti de tal maneira que parecias um cobertor. Continuavas meiga e fofa como sempre, o que eu não estranhei. O nosso amigo estava morto entre aquilo que parecia ser o teu automóvel que felizmente não ias a conduzir. Nada mais podíamos fazer do que chorar as lágrimas que saltavam cá para fora pelos olhos com que tu me vias, e tu numa angústia tão grande que eu era capaz de sentir. Muito para além da minha. Não tiveste coragem de olhar para ele e eu muito menos. Abraçamo-nos uma vez mais como quem quer escapar para fora do seu corpo. Tu metias-te em mim com um sofrer que me doía. Moldavas-te a mim e eu julguei que era por nos conhecermos tão bem, mas parecia que o teu corpo queria entrar ainda mais dentro do que dantes. Um aperto em que eu sentia o teu coração, não a bater no meu peito, mas dentro dele ao ritmo do meu num compasso de dor que era brutalmente assustador. De repente ficámos sozinhos numa solidão indefinida com um sabor a perda que não queria sair da boca. Três horas da manhã e uma estrada deserta. Tínhamos algo em mãos mais duro de engolir do que a morte. A angústia do momento fez-te falar e eu ouvi-te como sempre te ouvi, profundamente, a tentar perceber aquilo que querias mesmo dizer na tua trôpega linguagem. Gostavas muito dele e eu sabia, mas não sabia o quanto.

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