quinta-feira, julho 17, 2003

Bernardo: As raparigas bonitas

Ainda não consegui ver de que cor eram os olhos dela. Estou para aí há uns bons vinte minutos sentado na mesa com ela. Chama-se Raquel. Veio com a Inês e sentaram-se na mesa da Carlota. Depois cheguei eu. Isto aconteceu ontem. Sei que sou tímido, todos notam. A proximidade com raparigas bonitas é como entrar em rota de colisão com a desgraça. Há sempre matéria a cair: ou o café ou o copo de água ou o açúcar. Pareço uma criança a fazer eternos disparates. A idade é uma ideia relativa. Há cargas magnéticas a serem emanadas dela que me atraem e que depois sou obrigado a desviar o olhar como um míssil teleguiado que quer escapar da colisão. As raparigas bonitas fazem-me isto. Tenho de dar atenção à Carlota. Isto ontem, à mesa com a Raquel. Não sei como é possível namorar-se uma rapariga assim tão bonita. O Paulo pelos vistos já namorou. O amor é um fenómeno absolutamente metafísico sem racionalidade cientifica. Uma razão impossível de calcular. Quando olhei para o dedo mendinho dela pousado tão suavemente sobre o maço de tabaco, quase pensei que a gravidade não existia para ela. Vejo-a a entrar no portão da faculdade, é uma rapariga baixa. Mas a grandeza das coisas também é uma ideia relativa. É elegante e parece compreender o chão que pisa. Um andar certo, pausado, cadenciado como o bater dos segundos, tem quase uma precisão matemática no seu andar. Foi assim que a vi entrar na faculdade. Faz hoje uma semana. Espero o meu primo Abel. Foi um presente do cosmos, ou de como os átomos e as moléculas podem fazer arte: uma coisa que ninguém entende e onde ninguém tem razão. A estupidez do belo que nos dá cabo da razão e da lógica. A arte é a morte da razão. A Raquel diz que assim é que deve de ser. As raparigas bonitas dão-nos cabo das convicções. É por isso que eu acho que vou namorar com a Carlota, só tenho boas razões para isso. Talvez um dia me preocupe com os sentimentos que isso tem. Vou começar a namorar hoje com ela. Comecei a namorar com ela ontem. A Raquel e a Inês foram-se embora. Não vi, não quis olhar. Dei a mão à Carlota e depois um beijo. Há coisas que não precisam de ser explicadas. Parece ser um dos fascínios da vida, como andar com a cabeça na lua.
in "O Amor por outras razões"

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