quinta-feira, julho 10, 2003

Dentro dos olhos

Ela cresceu dentro dos olhos dele. Para ele, ela não passa de uma luz que brilha durante os dias, e também nas noites em claro. Olha-a como rotina arrancada ao seco dos dias, observa todos os seus gestos, enciúma-se das suas carícias, ri-se com os seus risos, e treme, quando ela está dentro da sua íris como uma imagem irrecusável. Ela cresceu dentro dos seus olhos, o ciclo inteiro das chuvas. Ele adora vê-la caminhar desajeitada pela calçada, pousa os olhos nos seus passos saltitantes pulando com eles, julga que está com ela, que a acompanha no seu movimento. Todos os dias. Mas quanto mais de aproxima, mais depressa desaparece. Ela cresceu dentro dos seus olhos, e quando ela se esfuma magicamente do interior dos olhos castanhos e escuros, nasce-lhe um medo estranho e uma ânsia que o enerva. Não sabe controlar a ânsia, e agrilhoa-se num temor repentino. É dentro dos seus olhos que ele mais a admira. Dentro dos seus olhos, ele olha irrealidades como alucinações: toca-lhe o corpo que nunca tocou, beija-lhe o sorriso com a alegria dos sorrisos, sente a ternura dos seus gestos como uma realidade crua. Dentro dos olhos dela há uma fábrica de carinho.
adaptado de um original de abril.92

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