sábado, julho 19, 2003

Catarina: O que e um cemiterio?

No outro dia fui ao cemitério… ia dizer que fui ver a minha irmã, mas já não a posso ver. Foi a minha consciência que me levou lá. Tinha uma história que ela não devia ouvir para contar-lhe. Fiquei cerca de quinze minutos a olhar para aquela caixa de pedra com as flores que eu trouxera por cima e uma vela acesa por quem não faço ideia. Não tive coragem de falar para uma caixa, logo eu que falo pouco. Peguei no caderno que anda sempre comigo, daqueles de capa rígida e lombada forte como eu gosto. Oferta do meu ex-namorado. Mais um caso em que a matéria é mais forte do que os sentimentos. Peguei na caneta porque nunca escrevo a lápis e escrevi-lhe uma carta como se ela estivesse com os olhos pousados sobre a caneta a ver as letras contar a minha história quando ela se cruzou com a dela, com a pessoa que eu amava que era a pessoa que ela amava. Um segredo que nunca tive coragem de contar-lhe.
É a primeira vez que venho sozinha a um cemitério. Ainda por cima para te ver. Trouxe-te flores. Begónias. Aquelas flores que tu nunca viste, que sempre quiseste que te oferecessem… só pelo nome, porque achavas que era bonito.
Quero falar-te do Abel.
Quando saiamos muito os três e íamos ao cinema ou à discoteca nunca foi para que isto acontecesse. Estava sozinha porque já não estava apaixonada pelo André e o tinha deixado a chorar três dias até ter decidido nunca mais me ver para me esquecer. Nunca mais o vi, isso é certo. Comecei a achar graça ao Abel porque era a única pessoa que me fazia rir e esquecer um pouco a frustração de mais uma relação falhada. Estava desapaixonada do mundo e o Abel pegou-me ao colo… naquela noite que fomos aos anos da Bé, disse-me ao ouvido, eu no colo do Abel, com a voz a sair-lhe quente na minha orelha e a ouvir que ele queria falar comigo porque já não estava apaixonado por ti. Flávia, o meu coração assustou-se, só pensei na tua felicidade, e depois enquanto a minha mão e a do Abel se desprendiam do calor da pele e ficaram desprotegidas naquela noite fria, o meu coração emocionou-se com o calor do corpo do Abel, aquele calor de ternura que tinha começado a percorrer os meus sonhos. Os meus sonhos… todos os dias sonhava com o Abel e contigo. Tu, Flávia, lá ao fundo enevoada e triste, a chorar por esses teus olhos tão meigos.
Tentei deixar de sair convosco mas vocês insistiam sempre e eu não tinha razões para não ir. Só sabia que o Abel já não gostava de ti e essa esperança fazia-me olhar para ele de maneira diferente e eu não queria isso. Chegava a casa e ia chorar para a casa de banho debaixo do chuveiro para que ninguém percebesse que eu chorava, chegava ao teu lado porque me chamavas, eu com os olhos vermelhos a dizer que era do sabão e depois subia para a parte de cima do beliche esforçando-me para que nenhum sussurro da minha alma se escapasse para tu não perceberes a infelicidade em que eu vivia. Isto durou um mês.
Na festa de anos do Abel estávamos todos um pouco eufóricos e tu dizias que era culpa do álcool. Foi quando o Abel pegou-me outra vez ao colo porque dizia que eu andava aos tombos e perguntou se me lembrava do que ele me tinha dito quando me pegou ao colo da outra vez. Eu fiz entender que sim. Então, tu ias lá à frente com o resto do grupo, e ele disse que já não estava apaixonada por ti porque se tinha apaixonado por outra rapariga. Ficou a olhar para mim com aquele olhar apaixonado e eu percebi, o meu coração pulou mais alto que a razão e dei-lhe um beijo. Fugi a correr do colo dele para te abraçar como se te estivesse a proteger. Chegámos a casa e tu meteste-me na banheira porque eu estava bêbeda. Foi quando eu puxei o chuveiro para cima da cabeça e por debaixo daquela água tépida pus-me a chorar à tua frente sem que te apercebesses. Tu só te rias de mim…

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