O estado das coisas
A música tocava em decibéis impróprios, os corpos balanceavam tropegos, as bolas nas paredes dançavam e tu acompanhavas tudo num ritmo cadeado.
Era difícil entender o que te rodeava, falavam contigo e acenavas com a concordância dos que não querem saber. Era nestas alturas que eu gostava de estar a acompanhar o teu pensamento. Nunca entendi as tuas razões, mas creio que era isso que me fazia depender tanto de ti. Porcuravas sempre algo que não estava, alguém que não existia, e fazias assim que tudo e todos se prendessem ao teu mundo. Por muito que se aproximassem o máximo que conseguiam era o desdém mais simpático, a negação mais abstrata, só perceptivel a quem se dignasse a aprofundar o que o teu sorriso deixava entender. Nem o estudo mais elaborado feito à Mona Lisa seria capaz de qualificar o teu sorriso. O enigma estava presente e no entanto parecia que se apagava nos rostos dos demais. Num instante o mundo pertencia-nos e ninguém tinha conhecimento dessa estranha forma de ligação. Como seria possível dois rostos terem algo de comum? A linha imaginária estava traçada e inquebravel para este mundo.
Jamais se repetiria, o fim não existia. Espero, olho, recordo. Vejo o teu olhar chocar no meu e num instante zonzo, sem forças para desviar os meus olhos, fico paralizada de terror. Eras aquele que eu esperava e já o sabia, assim como tu tinhas a mesma certeza. Avancei, despedi-me de todos e fui-me embora. Nunca se deve enfrentar o destino.
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