segunda-feira, junho 09, 2003

Não é preciso inventar ninguém

Quando ela mudou de residência nunca mais a voltou a ver. Não que estivessem irremediavelmente longe um do outro mas porque a vida é assim mesmo e nem sempre faz a vontade aos amantes. Não que eles alguma vez o fossem ou tivessem sido. Embora na cabeça dele, quando uma leve nostalgia sem origem definida o apanhava, ele achasse que podiam ter sido. Até mesmo que o deviam ter sido. Pelo menos era essa a vontade que ele julgava ter. Essa dúvida que nem era só dele, sim, que ela muitas vezes se sentiu impelida a beijar-lhe os lábios como se isso fosse a marca de uma revolução qualquer, só existia porque ela perguntava-lhe muitas vezes se ele não estaria a inventar aquela paixão. Ela não sabia que era a sua própria dúvida que falava por ela. Ele respondia-lhe invariavelmente que não, que não tinha sido preciso inventar ninguém para que o seu coração se pusesse a pular sempre que a via, e muitas vezes mesmo bastava a imagem dela lhe sobrevoar os sonhos. Essa emoção tão indefinida que era constantemente adornada entre a moldura de um medo inexplicável e um quadro recheado de fantasia.

Era sempre ela que tomava a iniciativa de telefonar, nunca de forma regular e muito menos assídua. Ele escrevia-lhe cartas, todas as semanas. Cartas compridas que deixavam o seu coração falar baixinho, numa conversa mantida num sussuro que só as palavras contidas pelo medo conseguem. No principio do mês escrevia-lhe uma carta especial, uma carta como as outras mas onde ele podia abrir a torneira do medo e mostrar-se gentil. Já para não mencionar a ocasião única dos anos dela. Todos os anos no mesmo dia em que se iniciava o Verão. Eram sempre cartas de idolatria que ele dizia sempre para não serem levadas a sério. Ela acreditava.

A eles não lhes importava que não se vissem todos os dias, diziam que eram a companhia um do outro e que isso bastava. Mesmo que, no fundo, essa situação não satisfizesse nenhum deles. Foi ele o último a confessar, mas foi isso que fez entristecer Rita.

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