quarta-feira, janeiro 14, 2004

Beco

Está escuro, um frio sibilante sopra pelo meu ombro fazendo um sussurro. Vai acontecer alguma coisa, estou rodeado numa rua estreita e sinuosa, com água correndo entre canais de pedras escorridas. Sinto-me espremido por um medo e uma ânsia enorme como se o assalto de mim acontecesse já. Já, mesmo agora antes de acontecer. Ouço passos de um chegar que me faz querer partir, mas que não saio com os pés. Colados que eles estão, tão fixos de uma vontade de fugir. Estou preparado para o assalto de mim, pelo beco estreito de só existir uma brecha que se abre numa entrega. Mais fuga que apetite de pele. Áspero e rugoso o toque na parede do sabor, um querer que arde em labaredas de um fogo já dito invisível. E eu sei que vai acontecer o assalto de mim. Não me roubes, peço-te quando chegas, quando já sei que o estreito é demasiado estreito, quando não há laterais de refúgio mas apenas a tua palavra a declamar um querer pesado e demasiado e impossível de resistir. Uma arma fria esses teus olhos que não cuidam em mim. Vais dar-te em oferenda de uma salvação inoportuna, o teu beijo vai acontecer na minha boca e esse beijo matará e morrerá na minha boca.
E mesmo que a minha boca não descreva nada do teu beijo nem mesmo no extremo dos tempos resgatados, sinto-me roubado das palavras da minha boca.

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