quinta-feira, janeiro 29, 2004

Se soubesses o quanto eu vejo para além dos teus olhos, já há muito me terias cegado.

quarta-feira, janeiro 28, 2004

Horizonte

olho o horizonte de uma viagem esquecida, são recortes por entre as montanhas onde são abruptos os pontos de ruptura. peço-te, vem. talvez ignorando o meu nome, o meu rosto, vem irada, vem confusa e mesmo se estiveres perdida, vem. e esquece o teu passado, e esquece a tua ira. encontra-me e corresponde; ao olhar com um beijo; à palavra proferida com a mão dada e amor... acima de tudo. terás o meu poema junto à cabeceira como uma carícia. vem, vem mesmo que eu tenha partido, mesmo que isso signifique regressar a ti depois de te ter perdido no tempo das procuras. eu que era incapaz de controlar ânsias. mas peço-te, regressa. com outro nome, outro rosto. traz só uma mochila às costas, carrega pouca coisa, traz poucas recordações - não te esqueças do humor. traz o poema que ignoravas ser meu, e encontra-me. não no fim do tempo mas no princípio de uma qualquer viagem.
26.Fevereiro.1995

terça-feira, janeiro 27, 2004

As Pedras II

Essa pedra na tua mão, tão pequena e tão redonda do tamanho da palma da tua mão, tens mais pedras para atirar? Essa pedra na tua mão, tão inocente e tão presa na força que fazes, é a mim que a vais atirar? Essa pedra na tua mão tem uma mancha marcada com sangue vivo e brilhante, foi essa a que te atirei?

segunda-feira, janeiro 26, 2004

Corri

Corri, como a um defunto se faz, a mão gelada pelos olhos em gesto de morte. Corri a mão sempre amena na boca, no peito, até apertar com a força do escândalo a tua barriga de mulher grávida. E corri de novo a mão em carícia espalmada bem em cima do teu sexo, repleto de amor e fecundidade. E toquei, bem fundo de paixão o útero amado donde nasce a vida. Corri, como a um defunto se faz, a mão pelos olhos pelo gosto de te matar a todos os olhos de outros. E no teu útero, como um toque divino,
fiz nascer-te em amor para mim.
09.Janeiro.92

quinta-feira, janeiro 22, 2004

O meu grito de amor

O meu grito de amor é como um salto no escuro da tua timidez. Tenho os teus segredos no meu baú, hás de acreditar. Nos beijos que negaste terás o teu desejo mais pueril. Na alma que desleixaste descobrir estará o elixir da tua felicidade. Hás de rogar e pedir a branca pomba esvoaçada, a minha mão estendida de amigo - minh’ alma desacreditada. Hás de sonhar até a perda do meu afecto, pedir de volta o olfacto, a carícia do meu perfume. Querer os beijos do meu amor, trocar lágrimas por sorrisos meus e amar o amor que distribui, que doei, em carícias mutiladas d’ amor.

O meu grito de amor é como a coragem esquecida dos beijos.

Se silenciar a minha boca ou se calar o meu olhar, mesmo que isso não toque o gesto, será sempre impossível sobre o frio do teu olhar sentir o calor do meu desejo. Sempre covarde e sempre tímido, sempre complexado e retraído; (a mais ingénua imagem do meu corpo deixa de transparecer no reflexo da tua imagem; está para sempre calada no teu sorriso, para sempre fechada na tua boca bela)

O meu grito de amor requer mais do que apenas desejo.

Este pensamento em bruto como um diamante não lapidado, só pensa na urgência,
nessa urgência que existe no medo, nesse medo da saudade por onde caminham distâncias longas. Em fiadas infinitas de cordas, nós de medo, de esperança
como que feitos de uma fé latente percorrendo em contínuo o terço. A religiosidade do temor. A irrepreensível saudade.

O meu grito de amor já prescinde da tua voz

A mente, porque a reteve - a tua voz, essa voz memória que é tua, só tua, é uma condição de especiaria como um açúcar para um doce.

O meu grito de amor largou a agonia e o vazio do meu corpo, ecoou para o exterior como um estertor. A minha pálida alegria esvoaçada. E para sempre há de doer
o seu som, em ti. Ou pelo menos, no dia em que o escutares.

Sete x

Um. Um presente envenenado: uma caricia simples fluida de água e um beijo rápido em boca inocente como uma semente não germinada num jardim recente.
Dois. Um dia após só lágrimas, só caricias a envelhecerem, talvez o começo de tormentos em mares azuis... ou sonhos perseguidos por detractores.
Três. Flores desabrocham entre espinhos como rosas oferecidas e despojadas em lixo; uma terra estragada em coberturas de rosas, talvez um jardim germinado a cansar-se, a esgotar-se em lágrimas.
Quatro. Um aniversário de descobertas, um reencontro merecido. Lágrimas reaquecidas na boca do céu. Estrelas gastas num céu de lama e beijos pedidos e não rejeitados.
Cinco. Uma desgraça imprevista; o gesto do beijo - uma traição. Um amor oferecido e outro rejeitado. Amor, fez-se amor na mente. Calcou-se o jardim,
maltrataram-se as flores, choveu, sempre a chuva ácida, o ácido das lágrimas sobre nós a queimarem-nos em labaredas como amor a criar ódio.
Seis. A morte do encanto; a estratégia do fim ou a morte da sensualidade. O jardim que recusa renascer, talvez o tédio da previsão acontecida.
Sete. Uma história por escrever... talvez um apartamento a construir-se
sobre um jardim outrora florido.

terça-feira, janeiro 20, 2004

O Favo

Ela reluziu o espelho azul nos seus olhos, incendiou-lhe os olhos, sempre os olhos; em chamas vagas de amor, de cortesias bem simuladas. Reage com a pele ao seu tacto, sempre a pele; toques suaves. Resta-lhe um pouco de felicidade... ainda… de derrota em derrota derrotado, a tentar almejar a luz rutilante, em beijos e ternuras cansadas. De sempre a sempre, beijos beijados em bocas de mel… boca de abelha. E retirou do seu corpo - como se de um favo fosse - o açúcar em fusão… derretido; em calores de fogo. E no seu corpo – o favo amado - soube lamber o xarope, a geleia açucarada como se bebesse no seu sexo apenas a lágrima de ontem. O seu passado de dores e desventuras desfiguradas - a fogueira - o seu corpo em fogueira doce aonde ele se despede da recordação.

quinta-feira, janeiro 15, 2004

O Banho

Quero lavar-me em lágrimas e deixar para ti a minha alma limpa. Retirar o pó escuro de recordações passadas e dos bocados dispersos dos remendos de um coração. E nessa água de lama, nessa mistura viscosa de decepções que não se misturam no correr límpido do tempo que, ainda disperso, já é nosso, adorar as canções dos teu suspiros de mel a escorrer pela parede táctil do meu rosto. Amar a vibração tépida dis sons de África; o ribombar do teus lábios a baterem eufóricos sobre os meus, pateticamente trémulos e desejosos. Acordar de manhã no lugar que agora sonho e nessa ilusão de te ver difusa, perder-me na inconstância do passado, tão sujo, mas que eu limpo suavemente agarrando as tuas lágrimas com as minhas. E entrelaçadas nesse querer hão-de transformar água em ácido e derreter a sólida e inamovível montanha do passado. Formando um rio que corre numa direcção serena de aleatoriedade mas carregando uma água cristalina de um sentimento nascente.

quarta-feira, janeiro 14, 2004

Beco

Está escuro, um frio sibilante sopra pelo meu ombro fazendo um sussurro. Vai acontecer alguma coisa, estou rodeado numa rua estreita e sinuosa, com água correndo entre canais de pedras escorridas. Sinto-me espremido por um medo e uma ânsia enorme como se o assalto de mim acontecesse já. Já, mesmo agora antes de acontecer. Ouço passos de um chegar que me faz querer partir, mas que não saio com os pés. Colados que eles estão, tão fixos de uma vontade de fugir. Estou preparado para o assalto de mim, pelo beco estreito de só existir uma brecha que se abre numa entrega. Mais fuga que apetite de pele. Áspero e rugoso o toque na parede do sabor, um querer que arde em labaredas de um fogo já dito invisível. E eu sei que vai acontecer o assalto de mim. Não me roubes, peço-te quando chegas, quando já sei que o estreito é demasiado estreito, quando não há laterais de refúgio mas apenas a tua palavra a declamar um querer pesado e demasiado e impossível de resistir. Uma arma fria esses teus olhos que não cuidam em mim. Vais dar-te em oferenda de uma salvação inoportuna, o teu beijo vai acontecer na minha boca e esse beijo matará e morrerá na minha boca.
E mesmo que a minha boca não descreva nada do teu beijo nem mesmo no extremo dos tempos resgatados, sinto-me roubado das palavras da minha boca.

quinta-feira, janeiro 08, 2004

Nunca Sereia

Casa de um estranho caracol que na lentidão do tempo, com a preguiça redonda dos relógios se mostra envolvendo na sua saliva doce. São perfumes libertados por palavras e ternuras escondidas em olhos apagados de ausência. Ausência pronunciada por uma voz calada, ouvidos surdos que só amam elogios. E uma inteligência perturbadora que intimida como o sibilar dos guizos de uma cobra cascavel, ou uma cobra real que se endireita ao som de uma flauta - um encantamento que eu tentava erigir como uma obra primaveril cheia de odores e feno, e flores de molas de uma cama e um lençol; do leito de sonhos que fiz para te deitar e me afundar num paraíso secreto debaixo da água azul felicidade dos teus olhos. olhinhos que beijam como peixinhos fazendo boquinhas e bolinhas pequenas de ar, muito ar para respirar, debaixo da água da minha, da nossa, muito escondida vida.

quarta-feira, janeiro 07, 2004

A circunferencia do tempo

Não era preciso perderes-te no tempo porque os ponteiros já já nada marcavam no meu interior. Circunferência da vida dos regressos não esperes do tempo a partida sem retorno. Só os boomerangs são como pêndulos e, se não voltam, é porque matam. Não foi na guerra dos tempos sucessivos que lutamos desde o começo das canções, as canções que fiz à tua porta e em tua esperança. Tu, lá dentro e adormecida sobre um querer já gasto do gosto de eu te querer. Fiz do dormente desejo do amor a mão dada de uma aliança escondida, esse convite que negaste no instante, no mesmo segundo da oferenda. Resposta faísca e relâmpago e cheia de luz, tão forte e intensa de cegueira, de raiva bruta e amor desfeito. E outra vez os ponteiros circularam sobre mim como queda em abismo de nada.

A resposta do tempo

Apetece-me esconder-te do mundo.

Parar o tempo nas nove de horas de uma das manhãs mais frias que me ocorre lembrar, a minha mão a segurar na tua sem podermos sentir o tacto da pele, impedidos pelas luvas que nos negavam o aconchego. A luz dos teus olhos entrando nos meus, no mesmo tom e brilho do céu azul e já luminoso da manhã. Parava os relógios do mundo e celebrava o momento com um beijo nos teus lábios de vermelho e riso. Se me fosse permitido. Se fosse uma vontade também tua. Mas, talvez o frio congelasse a acção e eu, não mais do que uma covardia exposta, encalhava nos teus olhos de mar. Mas o tempo não parava nem mesmo que eu forçasse um silêncio sobre ti. A tua mão fugia sobre a minha como um adeus que viria a seguir. Eu deslizava pelos segundos amarrado ainda à maré vibrante dos teus olhos de mar.

É tudo mentira.

Eu queria que o tempo corresse, lentamente sim, mas que me desses a mão ainda com mais força, que a tua mão deslizasse sobre a minha como uma carícia sem tempo nem limite de tempo. Que os teus olhos se fechassem como quando se fecham na esperança de um beijo que nos ilumina o interior. Que o beijo sossegasse o sofrer da alma como se um sol novo e de verão surgisse por dentro e virasse o sentir do avesso. Que a tua beleza me mostrasse uma outra forma de acordar. Uma outra forma de adormecer. Que o teu riso fosse um despertador do tédio do quotidiano. Que todas as ilusões que criaste em mim fossem apenas as verdades do tempo futuro, que vagueando na maré dos teus olhos de mar, deixei acovardadas na resposta do tempo de dizer adeus.